25 abril 2010

Cachos de Uva

Para aqueles que ao laurear a pevide pelas minhas humildes mas bem bonitas palavras ainda não se aperceberam que eu tenho um relacionamento com uma mulher, ficam agora a saber só por causa das coisas.

E para aqueles que estão neste momento a pensar mudar de canal porque não vêm o possível interesse dum relacionamento heterossexual, espero que tenham a consciência de que eu também sou uma mulher.

Sim. Eu sou uma mulher… notoriamente boa…. Uhhhh.

Voltaram, né? Fáceis...

Estou portanto num relacionamento homossexual.

Isto faz de mim homossexual? … Obviamente que não.

Se vocês vêm alguém a comer uma salada partem logo do princípio que essa pessoa é vegetariana?

Sim?

Isso é porque são parvos… pode muito bem estar só de dieta….

Mas agora a sério, não percebo porque é que cada vez que apresento a minha namorada inevitavelmente os homens começam a olhar-nos com olhos depravados e as mulheres com olhos sedutores, e oiço sempre coisas bonitas como “não sabia que tinhas saído do armário”… ou… “não sabia que davas para esse lado”…

Mas que lado, meus rebentos de beterraba? Extrema-esquerda? Do outro lado da estrada? O que é vocês acham que existe? Duas realidades paralelas dentro e fora do armário, onde que de vez em quando vamos ao outro lado comprar cervejas, porque no lado da mariquice não há coisas de homem?

O que é que o mundo tem na cabeça? Rebuçados de caramelo em forma de coraçõezinhos?

É assim tão difícil não estereotipar e não agrupar as pessoas no mesmo cacho de uvas apenas para pôr uma etiqueta a dizer “diferente” para terem a certeza que não comem dessa fruta?

Já o disse antes, mas volto a repetir-me porque sei que vocês são uma cambada de preguiçosos que não se dignam a ir ler posts anteriores e não me apetece escrever assuntos novos - eu não sou lésbica- nem coisa que o valha, podia ser mas não sou… muito pelo contrário, até gosto de apreciar um belo dum rapazinho com o cagatório firme e hirto…

Confusos? Já vos elucido…

Eu acredito, e defendo isto sob qualquer tipo de ameaça que não inclua dor, que quando nos apaixonamos é pelo carácter (ou falta dele), pela personalidade, pelo toque, pelo olhar, por toda e qualquer tipo de coisa que não tenha género, não tenha sex ratio… quando amamos alguém amamos apesar de tudo, apesar de ser homem e apesar de ser mulher.

Eu amo a minha mulher mas não amo as outras, não me atraem as mulheres (tirando a São José Correia… nossa senhora… até fico com calores…), amo a minha relíquia pela personalidade cheia que tem, por se apaixonar por mim todos os dias, por me mostrar que me ama incondicionalmente, por aturar os meus peidinhos e menstruações mais complicadas, pela mão cheia de talento que tem… por tudo… por nada… ser mulher é apenas um pormenor no meio de tanta maravilhosidade… (inventei esta palavra agora)… ser mulher é só mais uma qualidade…

Quantas paixões já se esconderam por detrás de grandes amizades “Ai se fosses homem… ai se fosses mulher”… quantas amizades já se perderam por se terem transformado em algo maior…. Quantas mães preconceituosas já se apaixonaram pela melhor amiga no passado… quantos homens já desejaram que o melhor amigo fosse mulher…

E para quê? Faz assim tanta diferença, é assim tão importante aquilo que está dentro das cuecas quando falamos de amor?

Sim, calma… quando fazemos amor é importante o que está dentro das cuecas, mas independentemente do que seja, há sempre volta a dar…

Para o mundo em geral estes são conceitos complicados, para os pais é complicado, para as vizinhas com pedras é complicado, para alguns amigos é complicado, mas para quem nos ama incondicionalmente… é indiferente… a felicidade que me transborda por amar e ser amada pela mulher mais maravilhosa do mundo é mais forte do que qualquer preconceito, que qualquer crítica, que qualquer mente mais retrógrada que não compreenda que o amor não tem género e a paixão não tem barreiras…

Eu sempre antepus cagar na cabeça daqueles que não interessam, daqueles que optam por criticar em vez de elogiar só porque é mais fácil, daqueles que preferem dizer nas costas porque não têm ovários/cojones para dizer na frente, aqueles que dizem ser amigos mas na realidade querem-nos ver as lágrimas… infelizmente há muita gente dessa por aí, mas só por causa das coisas juntei-os a todos num cacho e espetei-lhes uma etiqueta nas fuças: i n v e j o s o s… e podem ter a certeza que dessa fruta não vou beber.

Mas essas uvas podres e ultra passadas conseguem muitas vezes impedir e destruir um grande amor…

Oh criaturas aladas, basta de todas as etiquetas e todas as barreiras que existem entre nós vizinhos do mesmo planeta, não vamos criar mais uma diferença, mais um problema social, mais um preconceito… deixem que o amor seja livre independentemente da cor, do peso, do dinheiro, da raça, da escolaridade, da idade, do sexo….

Agora é com vocês: pertencem ao cacho podre do preconceito ou não se deixam contagiar por fungos alheios?


06 abril 2010

O abismo do atum


Tema do mês de Abril: O Abismo…

Não sei porquê, mas por muito profundos e filosóficos que os temas propostos pela fábrica de letras pareçam, a verdade é que eu os consigo estragar todos… Mas acho que é aí que está o interesse destes desafios, a capacidade de desmitificar um determinado termo em significados tão diferentes e no meu caso, estúpidos.

Eu, só para não variar um bocadinho, venho destruir mais uma oportunidade de fazer algum texto com valor literário. Ora aqui vai:

Quando penso em abismo, e já que para mim o mês começou hoje, penso obviamente no meu próprio abismo financeiro.

Sabem aquele sentimento que se tem quando acham que a vossa conta bancária tem 4 dígitos e quando vão ver o extracto bancário só tem um? Aquilo que parece que são gazes mas que não querem sair e ficam a putrefazer-se no interior do nosso ser até sentirmos um calorzinho desde o orifício cuzal até ao céu-da-boca?

É mais ou menos isso que estou a sentir hoje. Um Abismo gaseificado no meu mais profundo eu e na minha conta bancária também.

Bem… a diferença é que o meu extracto bancário actual nem sequer tem dignidade para ter dígitos, tem caganitas monetárias sem estatuto de dinheiro. Isto porque este fim-de-semana grande tudo o que é prestações, dividas, mensalidades, débitos directos e compras tardias resolveram juntar-se à esquina e tocar concertina, enquanto eu, desgraçada para a vida, enfiava as unhas em betume cor de carvalho e levava com tinta tóxica na retina do olho (sim, porque tenho outras retinas que não no olho).

Não tenho outra hipótese se não começar a recuperar as meias de renda para entrar no trabalho nocturno.

E é nessas horas de labuta tardia, em que me ponho como garupa de mota numa qualquer esquina da vida, que fico enternecida ao lembrar-me que aqui à coisa de uns meses tive uma conta choruda com muitos zeros depois de um número redondo (note-se que não assaltei nenhum banco, apenas vendi a alma ao banco), e que a partir desse momento irrepetível o processo foi sempre a decrescer com o pagamento da casa, das obras, do electricista, dos móveis, das contas, de idas diárias ao Aki, ao IZI, ao Brico, às drogarias centenárias da cidade de Évora, dos electrodomésticos, das negociatas da remar, do combustível, da comida, das coisinhas e coisonas para a casa, e claro, das meias de renda….

Parece-me que o mês começou hoje nunca terá fim… Isto para mim, meus amigos, é que é um grande abismo… A fissura eterna em que os portugueses se encontram entre o ordenado que vem insuficiente (quando o há), e as contas que vêm a mais.

Estamos em constante queda tentando-nos apoiar nas remunerações que aparecem, sendo que cada conta ou divida que surge é um deslizamento que nos faz afundar mais. Este abismo eterno normalmente não nos mata, porque felizmente a vida é bem mais do que isto e ainda há coisas de graça que são como rasgos de luz pelas frestas da vida, mas a verdade é que mói, e muitas vezes cansa a alma.

Viram que bonito? Isto de vez em quando há uns quantos rasgos de inteligência literária e até dá gosto vir para aqui alvitrar coisas. Mas normalmente isto é da fome.

Mas uma coisa é certa, se realmente a minha proeminente barriga alberga algum ser vivo que não gaseificado, só me resta guardá-lo mais uns anitos entre o fígado e o pâncreas, que isto das fraldas está caro e consta-me que as latas de atum ainda não servem para menores…