06 abril 2010

O abismo do atum


Tema do mês de Abril: O Abismo…

Não sei porquê, mas por muito profundos e filosóficos que os temas propostos pela fábrica de letras pareçam, a verdade é que eu os consigo estragar todos… Mas acho que é aí que está o interesse destes desafios, a capacidade de desmitificar um determinado termo em significados tão diferentes e no meu caso, estúpidos.

Eu, só para não variar um bocadinho, venho destruir mais uma oportunidade de fazer algum texto com valor literário. Ora aqui vai:

Quando penso em abismo, e já que para mim o mês começou hoje, penso obviamente no meu próprio abismo financeiro.

Sabem aquele sentimento que se tem quando acham que a vossa conta bancária tem 4 dígitos e quando vão ver o extracto bancário só tem um? Aquilo que parece que são gazes mas que não querem sair e ficam a putrefazer-se no interior do nosso ser até sentirmos um calorzinho desde o orifício cuzal até ao céu-da-boca?

É mais ou menos isso que estou a sentir hoje. Um Abismo gaseificado no meu mais profundo eu e na minha conta bancária também.

Bem… a diferença é que o meu extracto bancário actual nem sequer tem dignidade para ter dígitos, tem caganitas monetárias sem estatuto de dinheiro. Isto porque este fim-de-semana grande tudo o que é prestações, dividas, mensalidades, débitos directos e compras tardias resolveram juntar-se à esquina e tocar concertina, enquanto eu, desgraçada para a vida, enfiava as unhas em betume cor de carvalho e levava com tinta tóxica na retina do olho (sim, porque tenho outras retinas que não no olho).

Não tenho outra hipótese se não começar a recuperar as meias de renda para entrar no trabalho nocturno.

E é nessas horas de labuta tardia, em que me ponho como garupa de mota numa qualquer esquina da vida, que fico enternecida ao lembrar-me que aqui à coisa de uns meses tive uma conta choruda com muitos zeros depois de um número redondo (note-se que não assaltei nenhum banco, apenas vendi a alma ao banco), e que a partir desse momento irrepetível o processo foi sempre a decrescer com o pagamento da casa, das obras, do electricista, dos móveis, das contas, de idas diárias ao Aki, ao IZI, ao Brico, às drogarias centenárias da cidade de Évora, dos electrodomésticos, das negociatas da remar, do combustível, da comida, das coisinhas e coisonas para a casa, e claro, das meias de renda….

Parece-me que o mês começou hoje nunca terá fim… Isto para mim, meus amigos, é que é um grande abismo… A fissura eterna em que os portugueses se encontram entre o ordenado que vem insuficiente (quando o há), e as contas que vêm a mais.

Estamos em constante queda tentando-nos apoiar nas remunerações que aparecem, sendo que cada conta ou divida que surge é um deslizamento que nos faz afundar mais. Este abismo eterno normalmente não nos mata, porque felizmente a vida é bem mais do que isto e ainda há coisas de graça que são como rasgos de luz pelas frestas da vida, mas a verdade é que mói, e muitas vezes cansa a alma.

Viram que bonito? Isto de vez em quando há uns quantos rasgos de inteligência literária e até dá gosto vir para aqui alvitrar coisas. Mas normalmente isto é da fome.

Mas uma coisa é certa, se realmente a minha proeminente barriga alberga algum ser vivo que não gaseificado, só me resta guardá-lo mais uns anitos entre o fígado e o pâncreas, que isto das fraldas está caro e consta-me que as latas de atum ainda não servem para menores…

7 comentários:

  1. O vil metal sempre em escassez, é um mal geral.

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  2. esse é,infelizmente, o tipo de abismo mais comum nos dias de hoje. tantos que estão à beira dele, tantos que caíram nele.

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  3. Olha adorei a tua visão do abismo.
    Enquanto tiveres esse sentido de humor e capacidade de te rires dos obsctáculos podes estar descansada...que no abismo não cairás.

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  4. Oh o abismo.....nem me fales nele, é que ainda por cima cá em casa já nos reproduzimos três vezes e vai dai que podes imaginar...o que vale é que gostam de atum, e esparguete e açordas de alho...cegas(sem bacalhau, of course).
    ps:Então também és cá do sul? Isso é bom.

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  5. O abismo financeiro!
    Finalmente alguém se lembrou deste problema que nos consome todos os dias.

    A tua visão do abismo é bem real!
    (mas olha que eu adoro atum)

    bjs

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  6. Lá está outra forma de abismo que nos engole. Afinal o abismo ainda é mais abrangente do que a gente pensa... bjs

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  7. Querida... estou solidária... podes contar cmg para ajudar se for preciso. Só não me peças é dinheiro ou bens materiais! Estou aqui para te dar consolo, apoio moral, fazer-te rir... era para isso que podias contar cmg =)

    Na minha opinião a meia de rede e a esquina é mais nobre que roubar... como doações de esperma não podes fazer... então acho que ali na zona dos correios, ou na rotunda ao pé do aqueduto podem ser boas zonas... a dos correios fica mais perto de casa mas isso tanto pode ser bom como mau... enfim, a zona de trabalho tens de ser tu a decidir!

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