13 maio 2014

Salaam Aleikum...

Vocês sabem quando as coisas todas vos correm muito mal, nada parece dar certo e num momento de pausa entre tentarmos que o teto não no caía em cima recebemos uma carta das finanças a dizer que “na sequência do procedimento de liquidação das declarações de IRS, relativas ao ano de 2013, a sua declaração de rendimentos Modelo 3 com a identificação I0317/ 94 , foi selecionada para análise”, e de repente parece que encontramos a paz estamos prontos para partir para o além?
 Eu sinto-me assim neste momento, com alguma carência de higiene básica nas últimas 48h, mas em paz depois de provações e privações…
Ontem, apesar dum ligeiro atraso no voo Libreville-Dakar, a coisa correu sem demais problemas. A gente podia-se sentar onde quiser, eu era a única branca no avião, a tripulação era porreira e ainda jogámos ao Picturnary para lhes explicar onde era São Tomé e Príncipe.
Era um voo longo, com duas paragens, mas supostamente nem tínhamos que sair do avião por isso a coisa ia correr bem… ia… ia, mas não foi.
Logo na primeira paragem, no Benim (que eu nem sabia que existia como país ou marca de bolachas), ficámos cerca de 4 horas no avião. Sempre que perguntávamos o que se estava a passar diziam que estavam à espera de combustível… ninguém lhes vinha pôr combustível, porque aquilo não era a GALP e se calhar era self service…
Um atraso a colocar combustível parece-me aceitável…. 4 horas é de loucos. Estavam todos aos gritos em francês a tentar descobrir o que se passava e a falar muito alto com os hospedeiros enquanto eles falam muito alto de volta…Era no fundo um filme da Amélie muito alto..
 Eu tentava também, no meu inglês, tentar conversar com alguma calma com eles, já que eram novos e estavam tão fartos de ali estar como nós, e não tinham culpa – aparentemente…
Um dos rapazes, romeno, confidenciou-me entre as prateleiras das sandwiches, que não punham combustível porque a companhia aérea não pagava, e eles foram contratados pela companhia, e não podiam fazer nada. Ao que parece os pilotos estavam também aos gritos na administração durante essas 4 horas e nada puderam fazer.
Eu tentei explicar que tinha o voo de ligação e que não podia perder. Expliquei esta história várias vezes, em vários idiomas e em várias tentativas que soaram dialéticas. Até ao último minuto tive esperança, principalmente quando o rapaz me disse que se ainda fossem já nem faziam a próxima paragem e iam diretos para Dakar.
Foram esperanças vãs, sim senhora…
Depois de 4 horas fechados, de muitos gritos e protestos, deixaram sair os passageiros para o aeroporto, vulgo estação das camionetas de um bairro degradado onde se fazem abortos na casa de banho, e ali ficámos por mais 5 horas…
Não veio ninguém da companhia dizer o que quer que seja. Ninguém do aeroporto sabia dizer nada de nada, nem sobre aquele estúpido e incompreensível atraso, nem sobre a minha situação.
Disseram-me que podia ficar ali até de manhã e apanhar o voo das 9h00 direto para o Ghana, o meu objetivo final. Obviamente não consegui explicar a ninguém esta escala que me arranjaram, em que fazendo duas paragens em países relativamente perto do Ghana, me fazem fazer escala em Dakar do outro lado de África para depois voltar para trás.
Achei que esta era uma boa hipótese.
Estava tudo fechado àquela hora no aeroporto e por tal não consegui ter informações para tomar a decisão se arriscava ficar para tentar o voo de manhã, ou continuava ali quando aquele voo de conexão resolvesse seguir viagem.
Sem saber bem o que fazer e num estado de puro cansado e desgaste nervoso comecei a chorar fungosamente. Não queria saber de nada, nem de ninguém… só precisava de me assoar…
A casa-de-banho tinha meia torneira, as sanitas era indiscritíveis, as velhas cabines telefónicas serviam para guardar material de limpeza, e não havia papel higiénico.
Tentei comprar água, porque não havia nem um único café no aeroporto, e a merda da palavra “águâ” em francês deve ter uma entoação qualquer que ninguém me percebia..
O meu estado devia ser de tal maneira triste, que o único passageiro que falava inglês (um rapaz da Nigéria) me pagou a água e tentou ajudar-me ligando para “amigas” para saber do voo, mas sem sucesso.
Por fim, num recanto recôndito da sala de espera, consegui aceder à internet e verifiquei que o voo da manhã estava a vermelho, o que poderia significar que estava cheio ou que já era tarde para comprar. Também ninguém me sabia dizer se era possível comprar o bilhete com visa por tal era um risco grande ficar e não conseguir comprar o voo. A companhia também não me deixou tirar a mala do avião e ficar ali, já que o me voo era de conexão.
Moral da história: segui viagem.
A nova tripulação chegou pelas 02 da manhã e mais uma eternidade depois lá voltamos a entrar no avião, comigo de lágrimas enxutas e só a querer dormir.
Sentei-me, encostei-me e adormeci quase instantaneamente quando, cerca de 7 minutos depois, sou acordada por um roncar profundo do senhor grande ao meu lado… Put# Que pariu…. Lá me começaram a vir as lágrimas outra vez aos olhos…
Era mesmo o que faltava, um daqueles senhores grandes que dorme com o queixo encostado à barriga e ressona como um elemento do gado suíno em dia de consumo, no momento em que mais preciso apagar..
Pedi ao hospedeiro para me arranjar, encarecidamente, outro lugar… nem que fosse no chão.. longe daquele roncar. “I just need to sleep”… era o meu mote, e quase que queimei o soutien para provar o meu ponto..
Ele lá conseguiu e, no que podia ser o virar das coisas, fiquei sozinha em 3 lugares onde me pude estender.
Esta maravilha só durou 2 horas porque na paragem seguinte o avião encheu e perdi o privilégio. Mas estava tão cansada e exausta que não dei pelo avião aterrar, por gente nova entrar, por ter pessoal ao meu lado, não dei por nada… acordei já com o avião a descer para Dakar.
E pronto, às 6h50 da manhã, muito longe do meu voo das 2h00 que perdi, cheguei ao Senegal.
Na emigração tentei explicar a minha situação milhentas vezes, até que o 12º guarda falava minimamente inglês. Levou-me e ao meu passaporte até à agência de viagens do aeroporto para eu comprar o próximo voo para o Ghana, porque não me apetecia estar até às 2 da manhã no aeroporto o dia todo, passar outra noite num avião e chegar lá às 5 da manhã e ir logo para as conferências.
Havia um voo às 15h30. Boa. Comprei o bilhete e fui para a sala de espera do aeroporto. Dada a ausência de restaurantes e afins, de internet wireless e de bancos confortáveis, resolvi ir para a sala vip onde podia ter um bocadinho disso, falar com a família e dar sinais que estava viva e, acima de tudo, avisar o pessoal da UNESCO que não tinha conseguido ir no avião.
E aqui fiquei, na sala semi-vip (a vip é muito cara), onde conseguindo me sentir mais confortável e perto de todos lá longe, consegui descansar um bocado e acalmar os nervos..
Os senhores ficaram com o meu passaporte, por isso tive que esperar que mo viessem trazer no check in.
Estava tudo bem encaminhado, parecia… mas nesta minha vida de queixa as coisas correm sempre pior do que o esperado para ter o que escrever….Não devia ser a lei de Murphy, mas a lei de Estrela Matilde.
Cheguei ao check in e não me deixaram embarcar porque não tinha VISTO para o Ghana. Tentei explicar que podia fazer o visto na chegada e tinha a carta da UNESCO e tudo isso e não meu deixaram ir…
Desesperei… gritei…chorei….implorei por ajuda… nada.
“Como é que é possível terem-me deixado atravessar meia África e só agora é que me pedem o VISA? Como? Como é que é possível deixarem-me comprar o bilhete e não falarem disto? Como?
Berrei e gritei tanto que o senhor me emprestou o seu telemóvel para poder ligar a alguém a explicar a situação… foi a única coisa que consegui fazer por mim…
A única hipótese, disseram, era pagar pelo VISTO do Senegal ali no aeroporto para poder sair e ir à embaixada do Ghana e tentar fazer lá o visto e mesmo assim perdia aquele voo que já tinha começado o check in.
Lá fui eu pagar 50€ para fazer o VISTO, saí a correr e agarrei no primeiro gajo a roubar dinheiro que estava à entrada e que disse que tinha um taxi, levando-me depois a pé durante quase 500m até um carro com estofos de pelo de ovelha (NO SENEGAL), com um condutor próprio, e eu achei que fosse ficar sem um rim ou ser trocada por camelos (a sorte é que não sou loira e cheiro mal). Mas lá me levaram até à embaixada do Ghana, num passeio rápido por Dakar que não quero repetir.
Esta cidade parece que foi bombardeada a semana passada e assim ficou…
Ao chegar lá encontrei a senhora mais simpática que já vi na vida, e só desejo que alguém um dia lhe arreie com um tijolo na testa, só por ter sido tão prestável. “No, No, No. Only tomorrow. 3 Days. No, no, No”. Parecia a doméstica do Family Guy… Tu sabes que não vale a pena.
Esta foi daquelas que nem adiantava chorar, por muita vontade que tivesse… aquela simpatia e prestação meteu-me tanta raiva que não me preocupei com o futuro nos minutos seguintes, mas só em maneiras dolorosas de lhe abrir o esfíncter…
Bom, lá voltei para o aeroporto contra à vontade dos dois taxistas que só diziam “tranquila sister”, que me queriam levar para um hotel e que não havia problema “tomorrow, tomorrow”. Dei o troco que tinha no dinheiro aqui deles ao rapaz do carro, sem saber quanto foi… ele não se fez de rogado e agarrou nas notas que tinha, e o outro acompanhou-me ao aeroporto esperando mais dinheiro, mas caguei-lhe na cabeça e virei-lhe as coisas, enquanto um tumor se ia formando na minha cabeça derivado do sistema nervoso…
Tentei na mesma ir apanhar o outro voo, dizendo que ficava apenas na escala e lá tentava resolver a situação, e que precisava mesmo de ir, e já tinha o visto do senegal.. mas nada… o senhor da emigração era outro que merecia a testa aberta com a quina de uma cadeira.
Bom, a chorar compulsivamente – devo ser conhecida nos aeroportos africanos pela branca chorona – fui novamente à agência e disse que queria um bilhete para o próximo sitio não importa para onde mas já. A senhora, que foi estranhamente simpática e calma, percebeu a minha situação toda e, pela primeira vez em 48h, tentou ajudar.
Cancelou-me o voo que tinha comprado e que não me tinham deixado apanhar, devolvendo-me o dinheiro, e encaminhou-me até à diretora de operações da companhia aérea que me fez perder o voo para que me arranjasse outro. Chegando lá a senhora também era simpática, ligou para a companhia cujo voo eu devia ter apanhado, explicou que perdi a conexão por causa do atraso deles e perguntou se eu podia ir no voo seguinte nessa noite. Ele disse que sim, não havia problema, e disseram-me que em principio não haveria problema com o VISTO, porque podia fazer lá.
Hum…. Desconfio…
Enquanto esperava que me devolvessem o dinheiro fui lá fora fotografar umas rapinas que andavam no ar quando reparei que o vidro protetor da minha lente estava estilhaçado…
Olhei para a lente… e veio-me uma calma estranha. Preocupante e estranha…
Hum… hesito…
Mas pronto. Aqui estou. Continuo á espera. O voo é às 2h00 e estou a rezar a todos os santos para me deixarem ir…
Já pedi á minha mãe para me tirar o mau-olhado, que acho que isto foi olho gordo da outra que queria vir a esta reunião e não pode … mas agora que o azeite se dissolveu na água, acho que tudo vai correr bem…
Se não conseguir apanho o próximo para Lisboa porque não aguento voltar a atravessa África nestas condições… o problema é que o voo para Lisboa é 1 hora antes deste e posso não ir a tempo… vamos ver…
Outra hipótese é sair do aeroporto e formar vida e família aqui… Visto já tenho…Se não voltar a dar noticias é porque abri um negócio de aluguer de camelos aqui e estou a dar-me bem….

... Alaikum salam..

Profundidades Africanas

Olé… isto ainda cá está….
Pensaram que este meu espaço estava esquecido e olvidado nas fibras óticas da vida???
Pois claro que não... este pedacinho digital de verborreias verbais faz parte de mim e, quase em tons de elogia, diria que é praticamente tudo o que sou…
Mas tenho sido pouco fiel a este meu pedaço que aqui ficou pairado noutra dimensão, quando comecei a viver a vida a sério… mal pensado eu sei… isto é muito mais importante…
Mas Voilá. Voltei.
E este voilá vai fazer sentido, se continuarem a ler isto até ao fim. Se não continuarem, vou assegurar que esta dúvida e inquietação vos vai perseguir para o resta da vossa vida.
Bom, este espacinho nasceu, há 8 anos, na sequência de uma viagem pela Europa com a minha mãe querida, mãe querida e na realidade, sempre foram as viagens que me deram bastante material para me queixar da vida…
Agora que voltei a embarcar numa viagem com certos “quês” que merecem ser queixados, resolvi reanimar o blog, com massagens cardíacas e respiração sub-labial…
Depois de partir 3 costelas, tentar descobrir passwords através de perguntas-chave sobre a minha vida que eu um dia considerei essencial e que hoje a única resposta que me vem é “WTF?”… lá consegui trazer à vida estas memórias de uma queixa, que mesmo alzheimica, ainda tem muito por onde alvitrar…
Só para vos contextualizar na coisa, continuo por África, para onde embarquei há cerca de um ano e meio, e onde fui ficando. Continuo a viver na Ilha do Príncipe e foi aí que encontrei também o meu próprio príncipe e formámos o nosso ninho do amor…
Mas não é para falar dessas javardeiras sentimentais que resolvi abrir uma folha em branco no word (sim… eu escrevo primeiro no word). É para falar de aeroportos africanos. Já que estou com uma noite quase em claro em cima e acho que vou ficar com outra igual… parece-me que faz sentido falar de tráfego aéreo.
Há cerca de 3 horas atrás apanhei um avião em São Tomé, com destino a todo o lado.
Passo a explicar: Fui convidada a participar numa reunião da UNESCO em Accra (Ghana), sobre um manual de gestão das Reservas da Biosfera em África (e é aqui que vocês desconfiam que eu se calhar até sou uma pessoa séria e trabalhadora… nã….).
Ora, se forem olhar para o mapa que já não é mapa mundi, mas sim mapa Google, vão verificar que o Ghana é quase imediatamente em cima de São Tomé. Diria que até bem pertinho, tendo em conta que os aviões mexem-se depressa…. O problema – não fosse este blog alimentado deste tipo de coisas – é que não há voo direto e por isso tenho que apanhar 3 voos de quase 24 h para chegar ao destino..
Tudo bem… aeroportos em África soam bem… Viajar sozinha em áfrica também soa bem… Bora lá a isso… Estar vivo é o contrário de estar morto.
Apanhei o primeiro avião em São Tomé em direção a Libreville, no Gabão. Nome bonito Libreville.. é capaz de ser um sítio fino…
Ora, primeiros… a companhia aérea chama-se CEIBA, nome que não inspira segurança aérea e bom serviço aéreo… mas antes coisas com gordura, por alguma razão.
O avião, apesar de maior do que o que faz o trajeto São Tomé-Príncipe, é relativamente mais pequeno do que seria de esperar para um avião internacional… mas deixa andar… o logotipo é colorido, por isso ao menos morro num avião com falta de gosto… o facto de as hospedeiras serem de raça negra e falarem espanhol dá um ar ainda mais chique a isto tudo… e eu, por alguma razão que desconheço, tentei falar francês com elas (nem tive 1 ano em Barcelona a falar espanhol nem nada…), mas só me saiu o merci…
Em São Tomé só haviam uns 3 passageiros a ir para a Libreville e eu achei estranho que o avião voasse com tão poucos – comecei logo a pensar em probabilidades de cair tendo em conta que juntar o destino de poucos passageiros para que faleçam todos da mesma maneira é mais fácil do que se forem 200 – voltei à realidade e tentoei interiorizar que estando leve voa melhor… e lá vou eu, tentando passar na porta que tem as medidas exatas da minha anca.
Ao entrar no avião apercebo-me que afinal já estava recheado de pessoas coloridas, a fazer jus ao logotipo da CEIBA. Nunca vi tanta cor vibrante e tanto ouro num espaço tão curto… Não sei donde aquela gente toda veio, mas parecia que iam todos a um casamento indiano ou cigano.. sei lá…
Consegui no entanto ter dois lugares só para mim.. maravilha… e lá abri a mesinha, saquei do meu estojinho de canetas colorias e comecei a colorir…
Mentira. Comecei a sublinhar e a rasurar o documento bíblico que tenho que ler para a reunião. Trabalhei um bocado e achei que ia ter bastante tempo quando, 2 minutos depois de começar a ler, o piloto diz qualquer coisa numa língua qualquer, como que a dizer que íamos aterrar.
E eu.. “ora queres ver… ainda mal entrámos… tanto avião para apanhar e vou cair logo no primeiro, queres ver?”
Afinal de contas o voo era mesmo só de uma hora, mas no meu itinerário esqueceram-se de contar com as mudanças de hora… coisas da vida.
Tentei tirar algumas fotos do ar de uma cidade que parece que está a ser agora construída. Essa foi a sensação com que fiquei do céu… obras e fundações por todo o lado.. poucas casas… não devem ter dado com isto há muito tempo.
Saí do aeroporto e tirei umas fotinhas para a posteridade da minha chegada ao Gabão, afinal não iria sair do aeroporto, quando, no alto do seu francês, um sujeito negrão e grande vem falar comigo a dizer que não podia tirar fotos porque era inconstitucional e iria apreender a máquina… Não percebo francês.. fiquei com esta certeza agora… mas era isto que ele queria dizer…
E ninguém aqui, nesta terra, falam inglês. Também aprendi isso hoje. E ainda não consigo perceber como é que aeroportos internacionais não têm um único funcionário que fale inglês?...
Eu fiz olhos de cadelinha, humedeci as pupilas, pisquei bastante as pestanas e disse “pardon, pardon, je ne sabia… pardon.. pardon”.
O senhor, contra todas as expectativas tendo em conta o alto da sua negridão e a conversa de membro integrante da segurança e regras, disse que queria uma “Coke”.
Eu pensei… será que é uma coca-cola? Será que é cocaína?.. É difícil perceber no meio de todo o franciú. Fiquei confusa com a alusão ao termo coka no meio da conversa sobre ilegalidades.
Eu, depois de com gestos tentar perceber o que ele queria (isto foi no meio da pista e todos os outros passageiros já tinham ido embora), lá compreendi que ele era amigo do dono daquilo tudo e que se lhe pagasse uma coca-cola não havia problema, e ele fechava os olhos (fez mesmo gesto de quem fecha os olhos). Eu, achando que isto devia ser uma armadinha, tive o bom senso de mostrar apenas a minha carteira local com dobras que levantei para pagar a taxa de saída do país (sim, tenho que pagar 18€ para sair de São Tomé), e fiz-me de parva que estava em transfer, não tinha dollars e só tinha dobras.
O senhor lá aceitou as 100.000 dobras (4€) e foi à vida dele. Uma coca-cola cara, mas uma máquina fotográfica barata, se ele fosse ficar com ela.
Eu, sentindo-me suja e badalhoca por ter comprado um agente da autoridade, fui tentar achar a entrada para ao aeroporto (ainda estava na pista), e depois de falhar todas as portas que tentei (sinais indicativos é para meninos!), lá me foram dando algumas indicações “sortir, sortir”.
Entrei no aeroporto pela sala de espera dos próximos voos – estranho – e tentei no meu francês, puxando de todas as vezes que vi a Amelie, perceber para que lado é que tinha que ir para fazer o check in para o próximo voo.
Tentei primeiro a zona das bagagens, não foi tarefa fácil tentar lá ir sem ter que ir aos VISAS e coisas afins, mas a palavra “transfer” funcionou bem e lá dei com a zona das bagagens.
Chegando lá uns moços meteram-se comigo no alto do seu francês, e eu respondi o que pude do baixo do meu “francenhol”. Para variar ninguém falava inglês, mas consegui, através de “Mi Jane Tu Baggage” descobrir o tapete com as malas de São Tomé. Chegou bem a mala.. até agora.
Acho que entrei nos confins do aeroporto de Libreville onde mais ninguém andou, mas lá consegui chegar à entrada principal, apinhada de gente. Tentei achar o check in, que dizia no único ecrã existente estar aberto, quando reparei que estava fechado e havia toda uma fila de gente por todo à espera de entrar no check in (ao que parece é um a um).
Lá fui eu para o fim da fila para entrar no check in, quando o rapaz das malas veio falar comigo e me fez alguma pergunta complexa que não consegui perceber e cuja resposta que dei foi “Dakar”.
Bom, Dakar no Senegal é a minha próxima paragem, e acho que deu para ele perceber o que eu queria.
Entretanto junta-se um senhor vestido de roxo à conversa (ele a falar comigo em francês e eu a responder “Sants Ellisé” e palavras aleatórias em francês que me fui lembrando.
O senhor teletubi lá me disse, pelo menos acho, que o voo de ontem para o Senegal foi cancelado e que toda a gente de ontem estava ali hoje para apanhar o avião e por isso este estava cheio. Eu olhei para a fila de gente e comecei a explicar que tinha uma conexão, que não podia perder e “Croassant” e assim.

O senhor leva-me para o início da fila e começa a chamar a polícia, que diz que são seus amigos “sabem dizer friends ao menos…

(Neste preciso momento tenho gente de joelhos a pôr a testa no chão a rezar ao meu lado e não sei o que fazer… Tenho que parar de escrever, como se estivessem a atear a bandeira? Estou constrangida… Acho que me sentei no caminho de Meca e por isso vieram ajoelhar-me mesmo ao meu lado… sinto-me a pecar.. Também tenho que me ajoelhar? Eles levantam-se, ajoelham-se, põem a testa no chão, voltam a levantar e a ajoelhar (descalços), enquanto balbuciam coisas estranhas. Estou com medo agora… Bom, pelo menos com o levantar e ajoelhar fazem uns abdominais…. Se calhar é uma boa religião para mim… e por esta, vou arder no fogo do inferno… Oh meu Deus – ou o deles - estão a juntar-se mais e estou cheia de coceira por não poder tirar fotografia… quem me dera ser asiática sem vergonha na cara…. Podia mostrar-vos os chefes tribais com capas roxas que por aqui se pavoneiam… podiam ver gente de testa no chão do aeroporto… podia ver meninas com mais outro que o Banco Nacional Português… podia… mas não era a mesma coisa).
Voltando à história.. O Polícia não lhe ligou nenhuma, mas o senhor passou-me à frente de toda a gente sem dizer nem ai nem ui, e a verdade é que ninguém pareceu importar-se… Sinto-me sempre muito “negativamente branca” quando me passam à frente de outras pessoas de outras cores…
Mas pronto, lá no início da fila (à espera que chamassem mais gente), o senhor também veio com a conversa da Coka… E eu revirei logo os olhos… Disse que só tinha dobras, dinheiro de São Tomé. O senhor de roxo lá disse que tinha que ser euros ou dólares, que o dinheiro de São Tomé não prestava que era “tré petit, tré petit” e eu disse que “é tré petit mas chapéu” (mostrei a carteira local só com dobras), que morava em São Tomé e não tinha mais nada, uma historieta convincente com os olhinhos de quem está perdida e abandonada no mundo e tem muito medo… O senhor não estava nada contente, e falava com o rapaz das malas em francês uma conversa que me soou qualquer coisa como “puta da branca aparece aqui no nosso país e nem uma merda dum dólar tem”. Não se se foi isto, mas pareceu.
Depois apareceu a polícia e eu entrei com o rapaz da mala, e o senhor de roxo ficou a dizer para eu depois voltar a sair e ir ter com ele para, segundo gestos inconfundíveis, ir a uma espécie de máquina mágica em que se enfia um cartão e sai dinheiro”.
Deves ter sorte deves…
Bom, na fila do check in (estavam 4 pessoas a atender, 2 cliente e 100 lá fora à espera de entrar) estava um senhor que “MILAGRE” falava inglês. Tive vontade de o abraçar com força e até me saiu uma pinga de lágrima quando consegui explicar, com a certeza de ser compreendida, toda a história da minha vida.
O rapaz da mala, apesar de não me ter pedido nada, percebeu que não tirava nada dali e foi há vida dele e eu fique com o senhor que me explicou que eles queria dinheiro mas as dobras não serviam de nada ali (o outro deve ter sorte com a coka) e para não me preocupar que se tinha o bilhete comprado ia voar de certeza.
Lá fiz o check in, e graças ao senhor com quem os senhores falam ajoelhados no chão, mandaram-me subir umas escadas em vez de voltar a sair pela multidão enfurecida em busca de cokas.
(Está mais gente ajoelhada no chão… isto é assustador… do nada homens grandes e de capas coloridas jogam-se para o chão e começam a balbuciar coisas sem sentido... Pelo menos já sei para que lado é Meca. Isto não devia ser sempre há mesma hora? Não parecem organizados…).
Agora que já se aperceberam que o meu conhecimento de religião é louvável, continuemos...
Subi escadas que mais nenhum passageiro subiu e fiquei com a sensação de ter entrado na área para funcionários, mas quando encontrei alguém que não me ignorou – normalmente homens – lá disse “Dakar, Dakar” e o senhor abriu-me portas secundárias para ir para o controlo de passageiros e segurança.
A bem da verdade, sem ser a fila de viciados em coka a querer apanhar avião, não há filas nenhumas neste aeroporto e é tudo muito rápido (em troca de uma coka, claro)…
E agora aqui estou eu, na sala de embarque do aeroporto de Libreville, onde a Duty Free Shop só tem bebidas alcoólicas, a loja de perfumes tem uma senhora cujo-sonho-era-ser-hospedeira-mas-puseram-na-a-vender-perfumes-e-por-isso-não-responde-a-ninguém, e uma cafetaria sem café. Não existe um único sítio para comer. E há senhores por todo o lado de joelhos no chão, a dizerem coisas piores que o Francês…
As pessoas não são simpáticas… não fazem esforço para te compreender, a não ser que queiram o presentinho para a Coka. E sinto-me estranha em ser a única pessoa de pele branca numa sala com mais de uma centena de pessoas…
As roupas e os modelitos são indiscritíveis. Os homens usam mantos esvoaçantes, com fatos de linho da mesma cor e um chapéu de porteiro…as mulheres competem pelo vestido mais berrante, pelo maior número de joias de ouro e sandálias brilhantes… as minhas unhas desaparecem por não poder fotografar (tenho medo da quantidade de cokas que tenho que pagar por isso).
E juro, por tudo o que é mais sagrado, que o feiticeiro negro amigo do Harry Potter que trabalhava no ministério está aqui na sala de espera… igual até no chapéu…
Mas avante. Moral desta experiência toda: Tenho mesmo que aprender francês.
Mas tudo isto é compensado quando nos ecrãs do aeroporto aparecem gorilas…. Eles sabem como me conquistar…

A seguir vou apanhar um avião da Senegal Airlines, e olha… seja o que Alá quiser. Por via das dúvidas acho que me vou ajoelhar.