Vocês sabem quando as coisas todas vos correm muito mal,
nada parece dar certo e num momento de pausa entre tentarmos que o teto não no
caía em cima recebemos uma carta das finanças a dizer que “na sequência do
procedimento de liquidação das declarações de IRS, relativas ao ano de 2013, a
sua declaração de rendimentos Modelo 3 com a identificação I0317/ 94 , foi
selecionada para análise”, e de repente parece que encontramos a paz estamos
prontos para partir para o além?
Eu sinto-me assim neste
momento, com alguma carência de higiene básica nas últimas 48h, mas em paz
depois de provações e privações…
Ontem, apesar dum ligeiro atraso no voo Libreville-Dakar, a
coisa correu sem demais problemas. A gente podia-se sentar onde quiser, eu era
a única branca no avião, a tripulação era porreira e ainda jogámos ao Picturnary
para lhes explicar onde era São Tomé e Príncipe.
Era um voo longo, com duas paragens, mas supostamente nem
tínhamos que sair do avião por isso a coisa ia correr bem… ia… ia, mas não foi.
Logo na primeira paragem, no Benim (que eu nem sabia que
existia como país ou marca de bolachas), ficámos cerca de 4 horas no avião.
Sempre que perguntávamos o que se estava a passar diziam que estavam à espera
de combustível… ninguém lhes vinha pôr combustível, porque aquilo não era a
GALP e se calhar era self service…
Um atraso a colocar combustível parece-me aceitável…. 4
horas é de loucos. Estavam todos aos gritos em francês a tentar descobrir o que
se passava e a falar muito alto com os hospedeiros enquanto eles falam muito
alto de volta…Era no fundo um filme da Amélie muito alto..
Eu tentava também, no
meu inglês, tentar conversar com alguma calma com eles, já que eram novos e
estavam tão fartos de ali estar como nós, e não tinham culpa – aparentemente…
Um dos rapazes, romeno, confidenciou-me entre as prateleiras
das sandwiches, que não punham combustível porque a companhia aérea não pagava,
e eles foram contratados pela companhia, e não podiam fazer nada. Ao que parece
os pilotos estavam também aos gritos na administração durante essas 4 horas e
nada puderam fazer.
Eu tentei explicar que tinha o voo de ligação e que não
podia perder. Expliquei esta história várias vezes, em vários idiomas e em
várias tentativas que soaram dialéticas. Até ao último minuto tive esperança, principalmente
quando o rapaz me disse que se ainda fossem já nem faziam a próxima paragem e iam
diretos para Dakar.
Foram esperanças vãs, sim senhora…
Depois de 4 horas fechados, de muitos gritos e protestos,
deixaram sair os passageiros para o aeroporto, vulgo estação das camionetas de
um bairro degradado onde se fazem abortos na casa de banho, e ali ficámos por
mais 5 horas…
Não veio ninguém da companhia dizer o que quer que seja.
Ninguém do aeroporto sabia dizer nada de nada, nem sobre aquele estúpido e
incompreensível atraso, nem sobre a minha situação.
Disseram-me que podia ficar ali até de manhã e apanhar o voo
das 9h00 direto para o Ghana, o meu objetivo final. Obviamente não consegui
explicar a ninguém esta escala que me arranjaram, em que fazendo duas paragens
em países relativamente perto do Ghana, me fazem fazer escala em Dakar do outro
lado de África para depois voltar para trás.
Achei que esta era uma boa hipótese.
Estava tudo fechado àquela hora no aeroporto e por tal não
consegui ter informações para tomar a decisão se arriscava ficar para tentar o
voo de manhã, ou continuava ali quando aquele voo de conexão resolvesse seguir
viagem.
Sem saber bem o que fazer e num estado de puro cansado e
desgaste nervoso comecei a chorar fungosamente. Não queria saber de nada, nem
de ninguém… só precisava de me assoar…
A casa-de-banho tinha meia torneira, as sanitas era indiscritíveis,
as velhas cabines telefónicas serviam para guardar material de limpeza, e não
havia papel higiénico.
Tentei comprar água, porque não havia nem um único café no
aeroporto, e a merda da palavra “águâ” em francês deve ter uma entoação
qualquer que ninguém me percebia..
O meu estado devia ser de tal maneira triste, que o único passageiro
que falava inglês (um rapaz da Nigéria) me pagou a água e tentou ajudar-me
ligando para “amigas” para saber do voo, mas sem sucesso.
Por fim, num recanto recôndito da sala de espera, consegui
aceder à internet e verifiquei que o voo da manhã estava a vermelho, o que
poderia significar que estava cheio ou que já era tarde para comprar. Também
ninguém me sabia dizer se era possível comprar o bilhete com visa por tal era
um risco grande ficar e não conseguir comprar o voo. A companhia também não me
deixou tirar a mala do avião e ficar ali, já que o me voo era de conexão.
Moral da história: segui viagem.
A nova tripulação chegou pelas 02 da manhã e mais uma
eternidade depois lá voltamos a entrar no avião, comigo de lágrimas enxutas e
só a querer dormir.
Sentei-me, encostei-me e adormeci quase instantaneamente
quando, cerca de 7 minutos depois, sou acordada por um roncar profundo do
senhor grande ao meu lado… Put# Que pariu…. Lá me começaram a vir as lágrimas
outra vez aos olhos…
Era mesmo o que faltava, um daqueles senhores grandes que
dorme com o queixo encostado à barriga e ressona como um elemento do gado suíno
em dia de consumo, no momento em que mais preciso apagar..
Pedi ao hospedeiro para me arranjar, encarecidamente, outro
lugar… nem que fosse no chão.. longe daquele roncar. “I just need to sleep”… era
o meu mote, e quase que queimei o soutien para provar o meu ponto..
Ele lá conseguiu e, no que podia ser o virar das coisas,
fiquei sozinha em 3 lugares onde me pude estender.
Esta maravilha só durou 2 horas porque na paragem seguinte o
avião encheu e perdi o privilégio. Mas estava tão cansada e exausta que não dei
pelo avião aterrar, por gente nova entrar, por ter pessoal ao meu lado, não dei
por nada… acordei já com o avião a descer para Dakar.
E pronto, às 6h50 da manhã, muito longe do meu voo das 2h00
que perdi, cheguei ao Senegal.
Na emigração tentei explicar a minha situação milhentas
vezes, até que o 12º guarda falava minimamente inglês. Levou-me e ao meu
passaporte até à agência de viagens do aeroporto para eu comprar o próximo voo
para o Ghana, porque não me apetecia estar até às 2 da manhã no aeroporto o dia
todo, passar outra noite num avião e chegar lá às 5 da manhã e ir logo para as
conferências.
Havia um voo às 15h30. Boa. Comprei o bilhete e fui para a
sala de espera do aeroporto. Dada a ausência de restaurantes e afins, de
internet wireless e de bancos confortáveis, resolvi ir para a sala vip onde
podia ter um bocadinho disso, falar com a família e dar sinais que estava viva
e, acima de tudo, avisar o pessoal da UNESCO que não tinha conseguido ir no
avião.
E aqui fiquei, na sala semi-vip (a vip é muito cara), onde
conseguindo me sentir mais confortável e perto de todos lá longe, consegui
descansar um bocado e acalmar os nervos..
Os senhores ficaram com o meu passaporte, por isso tive que
esperar que mo viessem trazer no check in.
Estava tudo bem encaminhado, parecia… mas nesta minha vida
de queixa as coisas correm sempre pior do que o esperado para ter o que
escrever….Não devia ser a lei de Murphy, mas a lei de Estrela Matilde.
Cheguei ao check in e não me deixaram embarcar porque não
tinha VISTO para o Ghana. Tentei explicar que podia fazer o visto na chegada e
tinha a carta da UNESCO e tudo isso e não meu deixaram ir…
Desesperei… gritei…chorei….implorei por ajuda… nada.
“Como é que é possível terem-me deixado atravessar meia
África e só agora é que me pedem o VISA? Como? Como é que é possível
deixarem-me comprar o bilhete e não falarem disto? Como?
Berrei e gritei tanto que o senhor me emprestou o seu
telemóvel para poder ligar a alguém a explicar a situação… foi a única coisa
que consegui fazer por mim…
A única hipótese, disseram, era pagar pelo VISTO do Senegal
ali no aeroporto para poder sair e ir à embaixada do Ghana e tentar fazer lá o
visto e mesmo assim perdia aquele voo que já tinha começado o check in.
Lá fui eu pagar 50€ para fazer o VISTO, saí a correr e
agarrei no primeiro gajo a roubar dinheiro que estava à entrada e que disse que
tinha um taxi, levando-me depois a pé durante quase 500m até um carro com
estofos de pelo de ovelha (NO SENEGAL), com um condutor próprio, e eu achei que
fosse ficar sem um rim ou ser trocada por camelos (a sorte é que não sou loira
e cheiro mal). Mas lá me levaram até à embaixada do Ghana, num passeio rápido
por Dakar que não quero repetir.
Esta cidade parece que foi bombardeada a semana passada e
assim ficou…
Ao chegar lá encontrei a senhora mais simpática que já vi na
vida, e só desejo que alguém um dia lhe arreie com um tijolo na testa, só por
ter sido tão prestável. “No, No, No. Only tomorrow. 3 Days. No, no, No”.
Parecia a doméstica do Family Guy… Tu sabes que não vale a pena.
Esta foi daquelas que nem adiantava chorar, por muita
vontade que tivesse… aquela simpatia e prestação meteu-me tanta raiva que não
me preocupei com o futuro nos minutos seguintes, mas só em maneiras dolorosas
de lhe abrir o esfíncter…
Bom, lá voltei para o aeroporto contra à vontade dos dois
taxistas que só diziam “tranquila sister”, que me queriam levar para um hotel e
que não havia problema “tomorrow, tomorrow”. Dei o troco que tinha no dinheiro
aqui deles ao rapaz do carro, sem saber quanto foi… ele não se fez de rogado e
agarrou nas notas que tinha, e o outro acompanhou-me ao aeroporto esperando
mais dinheiro, mas caguei-lhe na cabeça e virei-lhe as coisas, enquanto um
tumor se ia formando na minha cabeça derivado do sistema nervoso…
Tentei na mesma ir apanhar o outro voo, dizendo que ficava
apenas na escala e lá tentava resolver a situação, e que precisava mesmo de ir,
e já tinha o visto do senegal.. mas nada… o senhor da emigração era outro que
merecia a testa aberta com a quina de uma cadeira.
Bom, a chorar compulsivamente – devo ser conhecida nos
aeroportos africanos pela branca chorona – fui novamente à agência e disse que
queria um bilhete para o próximo sitio não importa para onde mas já. A senhora,
que foi estranhamente simpática e calma, percebeu a minha situação toda e, pela
primeira vez em 48h, tentou ajudar.
Cancelou-me o voo que tinha comprado e que não me tinham
deixado apanhar, devolvendo-me o dinheiro, e encaminhou-me até à diretora de
operações da companhia aérea que me fez perder o voo para que me arranjasse
outro. Chegando lá a senhora também era simpática, ligou para a companhia cujo
voo eu devia ter apanhado, explicou que perdi a conexão por causa do atraso
deles e perguntou se eu podia ir no voo seguinte nessa noite. Ele disse que
sim, não havia problema, e disseram-me que em principio não haveria problema
com o VISTO, porque podia fazer lá.
Hum…. Desconfio…
Enquanto esperava que me devolvessem o dinheiro fui lá fora
fotografar umas rapinas que andavam no ar quando reparei que o vidro protetor
da minha lente estava estilhaçado…
Olhei para a lente… e veio-me uma calma estranha.
Preocupante e estranha…
Hum… hesito…
Mas pronto. Aqui estou. Continuo á espera. O voo é às 2h00 e
estou a rezar a todos os santos para me deixarem ir…
Já pedi á minha mãe para me tirar o mau-olhado, que acho que
isto foi olho gordo da outra que queria vir a esta reunião e não pode … mas
agora que o azeite se dissolveu na água, acho que tudo vai correr bem…
Se não conseguir apanho o próximo para Lisboa porque não
aguento voltar a atravessa África nestas condições… o problema é que o voo para
Lisboa é 1 hora antes deste e posso não ir a tempo… vamos ver…
Outra hipótese é sair do aeroporto e formar vida e família aqui…
Visto já tenho…Se não voltar a dar noticias é porque abri um negócio de aluguer
de camelos aqui e estou a dar-me bem….
... Alaikum salam..
Eu vou começar a dizer "Lei da Estrelinha"... LOL
ResponderEliminarSó tu, Estrela... Só tu!
Desculpa, mas ri-me das tuas penas... Beijos!