É verdade que não corre bem a muita gente, mas isso a mim
não me interessa nada. A mim a coisa corre mal e isso é que é grave. Com os
problemas dos outros posso eu bem!
Não suporto que menosprezem os meus problemas. Só porque não
são super-hiper-mega-ruins, não quer dizer que não moam. São meus e doem...
Entre mim e o Job só existe uma peste bubónica para
diferenciar. Não.. não tenho nenhum tipo de peste... pelo menos por enquanto.
De resto ando a sofrer as mesmas provações que o meu ancestral e quase que se
podia escrever um livro semelhante com a minha vida.
Tenho tido azares diários e contínuos tal provação à minha
fé, e se só me apetece gritar “Não vencerás Belzebú...” mas a verdade é que, ao
contrário da personagem bíblica, eu tinha desistido à primeira provação se
fosse possível, mas ninguém me perguntou nada e elas continuam a suceder-se.
Este último ano tem sido assim de bonito. As merdas
acontecem. Eu grito por dentro. Sorrio forçosamente para o mundo. E no meu
interior forma-se um nódulo que canta “I´m a tumor, i´m a tumor, i´m a tumor”...
Há mais de um ano que estou desempregada. Fiquei sem receber
ordenado durante 5 meses, se vocês bem se devem lembrar destes pormenores desta
minha interessante vida. Continuo sem os receber. Os trabalhitos que consegui
ir fazendo só podem pagar no próximo ano, e como consequência só pago as contas
e só como para o ano. Terminei um relacionamento de quase 4 anos. Tive um
acidente de carro com o meu samurai nu que o mandou para os cuidados
intensivos. A discussão da minha tese está no limbo desde Setembro algures nas
resmas universitárias. Continuo sem conseguir arranjar trabalho. Já não recebo
nenhum tipo de subsídio à desocupação. Acabei de perder as chaves dum carro que
me tinham emprestado algures noutra dimensão e uma chave nova custa 90€. Tenho
uma gripe do tamanho do mundo porque andei a plantar árvores com a ministra....
E isto foi ontem... amanhã será mais qualquer coisa....tenho um certo
sentimento que isto é só o aquecimento... e tenho medo do jogo a sério.
Está certo que estas coisas não são extremamente graves.
Está certo que ninguém morreu ou se feriu gravemente. Tudo isso é muito bonito.
Mas estas minhas coisas estúpidas e chatas fazem-me nós de tensão que eu não
tenho dinheiro para desatar...
Continuo optimista e a achar que no fundo até não tenho má
vida. Afinal de contas ainda respiro, coisa considerada acima das
possibilidades neste país de oportunidades.
Mas vou ser optimista. Eu consigo.
O desemprego permitiu-me tirar o mestrado, dormir até tarde,
aprender a fazer tricô e ir ao ginásio todos os dias. Apesar de ter terminado
um relacionamento foi amigável e ficou uma grande amizade, para preservar e
acarinhar, e claro, fica a oportunidade de outras experiências e outras pessoas...dizem
que tens que passar por sete pessoas para encontrar a alma gémea, e pode ser
que volte à casa de partida ou tire a carta da prisão... nunca se sabe. O
acidente de carro permitiu-me poupar combustível até à casa dos meus pais, para
onde me dirigia, o senhor do reboque pagou-me uma bifana, e pode ser que
arranje outro carrinho mais económico (mas vou guardar o samurai para sempre no
meu coração). Se as coisas correrem como prometido no tribunal vou receber
brevemente parte dos ordenados. Tenho tempo para me preparar para a discussão
da tese, já que só recentemente voltei do trabalho de campo (apesar de ainda
não ter pegado na coisa). Tenho fé nas fadas e duendes que me devolvam a chave
algures numa gaveta esquecida. E a tosse está a melhorar enquanto aproveito o
calor da salamandra e leio um bom livro. Tenho os quartos todos alugados que me
permitem pagar a casa. Tenho a ajuda da Relíquia para pagar as contas. Ainda
consigo ir ao ginásio e comprar dióspiros A minha mãe está feliz e contente
porque fez uma viagem à Turquia onde andou de balão de ar quente. Tenho saúde
(dentro do invernantemente possível). A minha família tem saúde. O meu Puffy
Emanuel tem saúde. Agora temos um cachorro novo, que tem mais nomes que um beto
de sangue azul, mas a quem eu chamo moscatel. E acordo todos os dias com
esperança que a vida melhore.
Vêem?! Vêem como eu consigo ser optimista e achar que o mundo
é maravilhoso???
Continuo a sorrir. E algures no meu cérebro oiço uma
musiquinha “I´m a tumor, i´m a tumor, i´m a tumor”...