11 dezembro 2010

o melhor dos meus erros

A semana passada fui a um seminário na associação portuguesa de ambiente, onde fui apresentar aos senhores noruegueses e bacalhaus afins, que deram uma data de dinheiro aos portugueses para fazeres coisas bonitas e ecológicas, os resultados do projecto onde trabalhei.

No intervalo de almoço do dito seminário, minutos antes da minha apresentação, surge numa conversa telefónica inesperada com a minha progenitora a revelação há muito adiada: “sim mãe vivo com uma mulher, sim mãe sou muito feliz” (não é que ela me tenha perguntado se sou ou não muito feliz, mas achei que podia fazer diferença esse pequeno pormenor... não fez).

Depois de ouvir aquilo que se espera ouvir duma mãe com a idade e mentalidade que não lhe permite perceber certas e determinadas coisas, engoli em seco, enfiei os nervos para os confins do meu cérebro onde provavelmente se está a desenvolver um possível tumor e fui falar com os senhores do bacalhau sobre o quão feliz estamos todos porque fizemos ambiente.

Correu tudo bem. Não sei se sou boa actriz, se sou fria, não tenho sentimentos, ou quem sabe esquizofrénica, mas consegui sorrir e fazer piadinhas com o senhor do catering sobre o facto da recepção típica norueguesa que a embaixada nos ofereceu conter pasteis de bacalhau juntamente com salmão fumado e caviar. Consegui fingir que nada me abalou, e como mulher forte que sou, posso morrer mas vou de pé e maquiada...

No caminho para Évora houve o desabafo com a colega de trabalho que de nada de apercebeu, e que ficou muito surpreendida pelo meu mundo ter desabado durante todo aquele dia de apresentações e não se ter dado por isso. A verdade é que o meu mundo desabou mas ainda o estou a segurar, daí não se ter dado pelo estrondo.

Esta era a conversa inadiável que teria que acontecer algum dia, e que por muito que se planeie nunca é como se quer, como se imaginou ou como se viu num filme. Mas foi, e isso é que interessa.

O meu maior medo não era a minha mãe, cuja reacção eu já esperada, era o resto. O meu pai, os meus irmãos todos já muito grande e adultos.... mas não poderia estar mais feliz pela família que tenho, não podia mesmo.

O meu pai, com a idade que tem, só me disse que há mais dum ano que sabia disso, que estava do meu lado e que a vida é minha faço o que quero. Foi tão bom ouvir isso. Foram estas palavras que me desabaram, que me fizeram chorar desalmadamente, porque para mim era muito pior ouvir da boca do meu pai que o tinha desiludido, que tinha vergonha e que não aceitava.... não sei porquê mas era muito pior.... muito mais fatal. Mas foi como erguer mais uns quantos pilares do meu mundo perceber que o meu pai já sabia, que continuava a tratar-me como sempre, e que quando lhe perguntei pelo meu Puffy no meio de todo o sismo familiar, me responde a rir “ele está bem, ainda não sabe de nada”, e eu respondi-lhe que o Puffy já sabia sim, e que apoia porque me ama incondicionalmente, tal como ele... foi um momento bonito ter dito ao meu pai o quanto me orgulhava dele, o quanto o amava, coisas que sempre pensei mas que nunca o disse, porque essas coisas realmente custam a sair, e parecem sempre tão ridículo quando ditas.... por mais sentidas que sejam.

Ao chegar a casa, e enquanto tentava mais um telefonema à minha mãe que me bombardeou com muitas pedras de raiva cuspidas com nervosismo, decidi que seria tudo de uma vez e telefonei a cada um dos meus irmãos. Três telefonemas seguidos para dizer aquilo que não tinha tido coragem de dizer em muitas das conversas sobre ausências de namorados e afins. Não sei onde enfiei os nervos, o medo... talvez naquele tumor escondido...

E mais uma vez, não poderia estar mais orgulhosa dos homens da minha família. O meu irmão do meio já sabia há imenso tempo, disse que não se importava de ter uma cunhada, e que estava do meu lado. O meu irmão mais velho disse que também já desconfiava, que a vida era minha e que eu fazia o que quisesse e que o que importava era que eu fosse feliz, e fez a relíquia chorar quando lhe disse para tomar conta de mim. O meu irmão mais novo foi o que ficou surpreendido, não sabia apesar da minha cunhada já lhe ter dado um toque, mas apesar de surpreso disse que gostava de mim na mesma, e que estava do meu lado.

Todos disseram para ter calma, paciência, para dar tempo... a mãe é difícil, disseram todos. E mais uma vez tive a oportunidade de dizer o quanto os amava e tinha orgulho dos irmãos que tinha, coisa que sempre senti mas que nunca tive palavras.

Mais pessoas da minha grande família já sabiam, já desconfiavam, apoiam e só querem que seja feliz. É tão reconfortante saber que o amor incondicional existe e que as pessoas mais importantes para nós só querem que sejamos felizes.

Mas claro que não podia ser perfeito. A vida assim não o é.

A minha mãe continua sem falar do assunto, não admite que se lhe toque nessa calcanhar, não me fala como deve ser, e diz que tem vergonha de andar na rua, de olhar para os outros. E eu disse-lhe que a vergonha era só dela porque eu não tinha nenhuma, e sendo assim, que ela a carregue porque eu não o farei.

Ainda não estive pessoalmente com eles. Será em breve.

Terá sido pior ou melhor por telefone?

Não sei....

Gostava de os ter abraçado a todos e ter dito pessoalmente que os amava, gostava de ter vergado a minha mãe com um amo-te e um abraço forte atirados no meio do apedrejamento... mas não foi assim... não foi escolha, foi simplesmente assim.

Talvez tenha sido melhor assim para lhes dar tempo para digerir, para lhes dar tempo para falarem sem mim, para lhes dar tempo de se preparem para a minha presença depois do sim que já desconfiavam.

Pensei que a sensação de leveza fosse maior. Talvez porque a minha mãe continua a fazer muita pressão e não me deixa respirar livremente. Talvez porque a coisa não está de todo resolvida, apenas admitida. Mas acredito piamente que o tempo é o melhor remédio. O tempo cura tudo, dizem... tem sido assim em outras situações. As pessoas podem não aceitar, continuar a não ser o que querem, mas acabam por engolir.

As mães são sempre mais difíceis. Porque para elas, acredito, temos que viver o que elas não viveram, e da maneira que elas querem. Elas é que sabem. Não fizeram a música, mas fizeram-nos a nós. E talvez haja ali um sentimento de culpa, talvez acreditem que quando nos deixaram cair no berço ficámos assim... doentes.... não sei.... o ser humano é um lugar estranho, e as mães são as piores.

Mas a verdade é esta, vão parar as pressões sobre namorados e por muito que a minha mãe diga que este é o meu maior erro, eu digo que não é o maior... é o melhor!

6 comentários:

  1. Parabéns pela coragem. Acho eu que o pior já passou, daqui para a frente só pode melhorar. As mães são difíceis, pois são, talvez por acharem que a "culpa" é delas pela educação que nos deram, nem colocam a hipóstese de os filhos tomarem decisões sozinhos e independentes delas. Mas haja esperança, amor e força de vontade que tudo se resolve.
    Beijinhos

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  2. Eu estou muito orgulhosa de ti. Tantos telefonemas, uns atrás dos outros para dar uma notícia difícil...estiveste perfeita.
    "É dar tempo.... "é o que dizem...e eu quero mesmo muito acreditar nisso. Às vezes acredito, noutras não. Mas uma coisa é certa, é sim um erro bem bom, merecemos errar todos os dias, se todos os erros fossem assim, era delicioso. Há tanta gente a errar no verdadeiro sentido da palavra, gente que vive com alguém que não gosta, que vivem todo o santo dia com um homem ou uma mulher que não lhes faz o frio na barriga, gente que está sozinha/o a pensar como poderia ser feliz se talvez falasse com a pessoa que ama... gente como aquele velho ranhoso sentado no banco do mercado de Évora que diz: "olha, que nojo, só falta casarem-se..." ao qual respondo, que tem razão, é bem melhor morrer sozinho num banco de jardim a ver a felicidade passar-lhe à frente dos olhos. Gente que se calhar nunca vai amar na vida... gente hipócrita que humilha o outro que é tão assustadoramente igual a si mesmo. Gente que prefere viver de faz de conta, namorados, casados...só para que esteja tudo certinho e direitinho como deus manda, ou como manda a lei. E vivem assim, nesta vidinha de fantoches uma carrada de tempo. Tenho a certeza que nalgum momento das vidas destas gentes, há uma catrafada de perguntas que começaram com..." e se eu tivesse..." este "e se..." acontece seguramente. Eu cá estou tranquila, a pensar que não vou deixar nada para depois, que amo a mulher mais incrível do mundo e que não faço parte da população que anda pelo carreirinho, como formigas sem cérebro. Porra, amamos quem queremos, haja liberdade! Se alguma vez me ocorreu estar com uma mulher? não! sim, tive namorados, (o que foi algo que confundiu a minha mãe quando soube) a verdade é que nos apaixonamos pelas pessoas e não pelos géneros, acredito que quando isto, que parece tão simples, entrar finalmente na cabecinha das pessoas, o mundo será um lugar mais tranquilo. Ai que isto foi profundo..bem, não pensei que escrevesse tanto...
    a ti minha dona, posso dizer que também és o meu melhor erro.
    relíquia

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  3. vai com calma com a tua mãe. dá-lhe espaço. tu tens todo, e todo o tempo, e todo o amor. e és forte e linda. beijos imensos. adoro-te, pela tua luz

    Oryza

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  4. Tou muito orgulhosa de ti! o importante é tu estares feliz e eu acredito que a tua mãe vai perceber isso e aceitar =). Beijoca grande para a minha Spice Girl favorita ;)

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  5. Lá derramei a tão esperada lágrima...e uma gargalhada ao comentário do teu pai sobre o Puffy.
    O Mundo é sempre melhor quando existe Amor e eu acredito que o vosso Amor vai ultrapassar todos os obstáculos.

    Beijinhos para as três.
    Gypsy

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  6. Sim, as mães são difíceis, sim,porque planearam para os seus passarinhos uma vida protegida contra a maldade do mundo,e temem que a fuga à "norma" traga mais sofrimento aos seus filhotes,e elas não possam nem saibam como protegê-los...essa recção da sua mãe foi puro medo...E essa sua confissão tinha que contecer.E foi um passo enorme em frente.Não se sente mais aliviada?
    Certamente que ela vai acabar por aceitar-vos quando perceber que está feliz...Porque as mães só querem que os filhos sejam felizes.Algumas levam mais tempo até perceber que o "Ser Feliz", não é à maneira delas, mães, mas como os seus filhos escolheram.
    Força!Um grande beijinho.


    Muita força para ti...

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