09 fevereiro 2010

A idade do lápes

Ora bem. Aqui estou outra vez, porque não vos consigo abandonar muito tempo ou porque não tenho muito que fazer…. Mais a última…

Depois de um post em que me detive a pensar sobre esta nova fase de nova casa, novas dívidas, despesas astronómicas e 40 longos anos de menstruações monetárias, é inevitável pensar que o tempo voa a uma velocidade alucinante e a vida escorrega-nos entre os dedos se não fecharmos a mão com força até ficar sem pingo de sangue, e é bem possível que amanhã quando acordar tenha já 80 anos, um Alzheimer acentuado, e a tendência para perdas urinárias. E isso será mau?

Não necessariamente.

Na minha opinião há a velhice e a velhice, entendem? São duas coisas completamente diferentes.

Há a velhice de pessoas que ao atingirem o pico dos 30 acreditam que vida a partir daí é sempre a descer, e que o melhor que fazem é juntar uma conta reforma para comprar o jazigo, começam a aproveitar os cupões de desconto dos pensos Lindor, começam a treinar a linguagem do “téne” e do lápes”, e pelo menos três vezes por dia têm que empregar a frase “no meu tempo” em conversas com transeuntes desconhecidos.

Esse tipo de gente morre ainda antes de morrer. São aquelas senhoras e senhores que sabem mais de doenças que grandes nomes da medicina, que conseguem distinguir cada furúnculo que aparece como filho único, inconfundível e mortal, e que ganham forças sobre-humanas no que toca a filas na função pública. São aquelas pessoas que apenas existem pela vida à espera do chamamento final… de preferência o chamamento final para a única consulta diária no centro de saúde do bairro.

Depois há outro tipo de vidas, aquelas como as dos meus pais.

A minha mãe nos seus tenros 65 anos convenceu-me a mim (adepta fervorosa das mantas e cobertores em colchões ortopédicos e que tenho como mote que o melhor da vida é dormir), a fazer um interrail a uma velocidade estonteante, tentando conhecer todo o mundo e quiçá a Europa em apenas 21 dias. O nosso menu diário incluía sardinhas de lata em pão chapata, comidas cujos nomes não conseguíamos pronunciar e o nosso estômago não conseguia digerir, e a cama mais confortável que arranjávamos era a relva mijada das estações de comboio.

Eu envelheci 20 anos com esta loucura… ela ficou 20 mais nova. Ia noutra aventura destas com tudo pago para conhecer as 10 aldeias que faltaram? … Eu não… Agora a minha rica mãezinha… é só dizerem.

A verdade é que a coisa que ela mais gosta é viajar, passear, conhecer o mundo, ressonar no autocarro, aproveitar os pequenos-almoços dos hotéis, roubar chávenas de café diferentes e aproveitar todas as amostras de cosméticos.

Sim senhora que, como boa gaja nos seus quase 70 anos, doe-lhe sempre qualquer coisa todos os dias, sendo que a cura para as suas maleitas é simplesmente o passeio. Basta ir com ela à capital ver lojas, ir ao lixo roubar coisas, ir ao campo apanhar azeitonas ou quiçá ir numa excursão até Sevilha. Qualquer dor ou pensamento mais triste é automaticamente compensado com um folheto duma qualquer agência de venda de Tupperware que à custa de 2 horas de venda chata e aborrecida, oferecem viagens inesquecíveis.

Próximos destinos de sonho: Japão, Rússia, Egipto, Turquia… Ali ao lado de Badajoz, portanto.

Mas o que me alegra é que continua com uma energia contagiante e muito esperançosa, já que ainda trepa a árvores como no tempo da apanha da pinha, e consegue levantar vasos de cimento só porque lhe apetece. Espero que a genética não me falhe nesta, já que na pilosidade do meu pai não me deixou escapatória.

O meu pai já é a alma oposta. Gosta dos seus passeios de bicicleta. Nunca lhe dói nada e está sempre tudo fino. Eu acho que ele está magro demais, ele acha que eu estou gorda de mais… normalmente as discussões ficam por aí, porque fico sem argumentos.

Gosta das suas cartadas na tasca da esquina e da companhia dos jogos do não-te-irrites (jogo que como nome já indica, irrita um bocadinho). Gosta de ver o Benfica a jogar e de picar os adeptos adversários. Não gosta de excursões e de gastar dinheiro (a minha mãe vai sozinha - ou segundo ela “vai gente de muitos sítios, não sou só eu”). É um ecologista económico:

- Ainda no banho? Mas achas que a água cai do céu?

- sim

- Toca a despachar se não vou-te aí tirar o sarro com o esfregão de aço.

Normalmente opto por não tomar.

Mas a verdade é que faz de mim uma pessoa melhor porque respeito mais os princípios do que estudei, só porque levo com gritos diários por ter deixado a luz ligada enquanto fui cagar… É a chamada ecologia de choque.

Espero mesmo ser feita da mesma farinha destes dois sacos, e que por isso mova o meu moinho durante muitos anos, com a minha mãe ali ao lado a convencer-me a ir à feira da ladra comprar máquinas de costura, e o meu pai a trazer-me o melhor queijinho da região e levar-me a comer caracóis…

É esta a velhice que quero. São estes anos de ouro que eu quero ter. A outra velhice… essa não me interessa… existir não me atrai… o que eu quero é viver….

Não tenho medo de envelhecer. Tenho uma lista para concretizar, posso ter 80 anos mas irei nadar no árctico… ai se não vou…

7 comentários:

  1. Vim ler-te atraves da Fábrica das Letras.
    Tens o dom da escrita, moça.

    Parabéns

    =)

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  2. Embora, na categoria errada, também vim aqui parar pela fábrica e gostei muito. Eu também quero ser assim, mais como a mães do que como o pai, embora uma mistura dos dois também não ficasse mal, pois também gosto de jogar às cartas, Benfica e caracóis.

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  3. nadar no artico, nem k me pagassem, irra k frio

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  4. Era tudo maravilhoso se pudéssemos escolher a velhice mas como não basta quereres viver para que vivas! A velhice tem situações complicadas principalmente quando deixas de te poder mover ou ainda perdes a memória e deixas de saber se queres ou querem por ti. Estas doenças nada têm a ver com a vida que a pessoa levou, infelizmente. A hereditariedade tem muita força e essa não escolhemos, somos escolhidas por ela.

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  5. heheh...bela velhice a dos teus pais. Esqueces a parte de verem a tv record aos berros, "mas está tudo surdo nesta casa??" :)
    não tenho dúvidas que vais ser uma velhota com "bicho carpinteiro no buraco do cu" como diz a sábia da tua mãe...e eu quero estar lá para ver isso!

    beijo velhinho
    maria

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  6. Adorei a velhice dos teus pais. Viver com eles é uma aventura. A minha velhice vai ser assim cheia de energia e de vida, é que eu já fui velha, nos meus 42 anos já fui velha e chegou... nunca mais. Adorei esta Crónica.

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  7. Ao ler este texto maravilhoso, sobre duas pessoas que teimam em não passar pelos anos, vi neles os meus pais, que num contexto um pouco diferente, pois não há duas pessoas iguais, também não páram. Chego a ficar cansada com a genica deles e abismada como as 24h do dia a mim mal me chegam, e eles conseguem duplicá-las com uma perna ás costas.

    Também queria ser uma velha assim. Com uns professores como eles, tudo indicaria que sim, que a minha futura velhice estaria assegurada de forma tão viva e energética, mas como disse a Brown Eyes, infelizmente não podemos escolher, talvez possamos apenas tentar contribuir para isso, pois muitas vezes é no tentar que está o ganho e o resultado do esforço.

    Só para terminar, que o testamento já vai longo, devo dizer que também não tenho muita paciência para quem não se contenta em partir duas pernas, tem que partir logo três.

    Excelente post! Beijinho :)

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