21 janeiro 2010

Crianças Albinas

Este fim-de-semana experimentei aquilo a que se pode chamar de tortura física e psicológica da boa.

Num acto de loucura, pareceu-me ser boa ideia pegar num sábado maravilhoso cheio de sol e de algum friozinho, perfeito para aproveitar na quentura das mantas, levantar-me algures entre dois números primos - daqueles parentes muito afastados cujo sol nem considera familiares - e ir a caminho de Lisboa com uma mãe com os intestinos em guerra, uma cunhada atrapalhada, um sobrinho que é a personificação perfeita da expressão “Are we there yet?”, e a Relíquia, que tem uma tendência fatal para o enjoo em qualquer veículo que possua mais do que 2 rodas.

Depois de uma viajem marcada por uma paragem à beira da estrada para a minha querida progenitora ir castigar, não a porcelana, mas toda e qualquer forma de vida que tenha decidido estar no mato errado, há hora errada, chegamos por fim ao engarrafamento que tanto caracteriza a capital.

Seria de esperar um engarrafamento num horário que não de ponta e num dia que não laboral? … Sim… já que é exactamente nestes dias que as pessoas optam por bater nos carros umas das outras, só naquela de quebrar a rotina.

Passada quase uma hora em pleno tráfico, em que nos entretivemos a mandar calar a criança cada vez que fazia perguntas filosofais sobre a vida, tais como “Onde estou?”, “Para onde vou” e “E qual a insustentável leveza do ser?”, conseguimos finalmente chegar às rotundas com sinais luminosos.

A nossa primeira paragem - só naquela de nos armarmos em finas: a Feira da Ladra.

A feira desta vez não nos trouxe nada de novo. Apenas regateei uma dúzia de livros rasgados da turma da Mónica por 1€, e fiquei-me por aí. Nada mais me cativou no mundo da roubalheira.

A minha mãe não comprou nenhuma máquina de costura antiga, o que me fez suspirar de alívio, já que num C3 com 5 pessoas tenho a certeza que ela optaria por me deixar a mim e levar a máquina.

O meu sobrinho conseguiu comprar uma boneca articulada, que segundo a minha mãe sofria de peste, já que a pobre coitada tinha o cabelo a sair aos magotes. Eu tentei explicar à criatura do meu sobrinho que pelo menos vai estar com a boneca - Flora chamou-a ele - num dos momentos mais importantes da vida dela, e vai fazê-la partir feliz. Obviamente que o objectivo dele, que quer ser cabeleireiro, não se pode concretizar porque a boneca já não tinha muito de cabelo, mas fica o divertimento que é uma boneca cancerígena e articulada.

Depois de uma volta rápida e indolor (não fomos assaltadas) pela Feira fomos almoçar ao nosso restaurante preferido da Graça: Os Amigos. Que isto de ir comer a um sítio amigo é sempre meio caminho andado para a coisa correr bem e até agora não nos deixaram ficar mal… tal como o menu amigo do restaurante Concorde na praia da Rocha… ou menu dos pobres… daqueles que caem mesmo bem….

Obviamente que a criatura que diz ter ¼ do meu sangue não comeu um enxerto de porrada minha, por um triz. O menino escolhe o prato, o prato chega e o menino não gosta. Não gosta de nada, não quer nada, nada está ao gosto…. E depois pergunto-me como é uma coisa assim conseguiu chegar ao estado de bola em que encontra actualmente?

Fi-lo enfardar o bacalhau à Brás dentro de carcaças que foi uma beleza. Assim já não sabia tão mal… a desculpa perfeita para entupir as artérias com farináceos.

Depois de estarmos na companhia dos amigos, resolvemos ir conviver com o inimigo: milhares de pessoas a lutarem pelo melhor Knut.

Sim…. Cometi o erro de ir ao IKEA em época de saldos. Já morreu gente à conta de sofás a 30€, mas não…. Nós pensamos sempre que isso não nos acontece a nós… que é sempre aos outros… no sábado estive perto de me tornar nos outros.

Nunca na minha vida vi tanta gente junta… nem quando fui ao Benfica. Os parques de estacionamento cheios… gente a correr… gente a matar… tudo por prateleiras de pinho vindas da Suécia?

Sou da opinião convicta que estas superfícies comerciais são os chineses suecos. Têm muita tralha, toda atafulhada, com preços que parecem muito baixos a uma qualidade nula, e o povo mata-se por conseguir aquelas toalhas a 1,99€ que tanta falta fazem para limpar o rabinho.

Mas com os preços assim tão baixos não será normal que, tal como os chineses, usem também criancinhas para trabalho escravo (loiras) com materiais tóxicos como matéria-prima?

Eu acho que é muito plausível e é por isso mesmo que estranho tudo o que seja fácil e barato. Fácil não será bem o termo, já que são muitas as pessoas que sofrem de depressões depois de tentar montar os puzzles que trazemos para casa, convencidos que se tratam de uma cozinha completa.

Mas torna-se preocupante quando perdemos mais de metade da comitiva no caminho, quando a Relíquia teme ir à casa de banho porque não vai encontrar o caminho de volta e não encontra mesmo, e quando olhamos à nossa volta e está toda a gente com ar perdido, desesperado e com lágrimas nos olhos. Aquilo não é uma loja, é sim uma câmara de tortura.

Não vi metade da loja e sinceramente foi a minha sorte, se não ainda lá estava. A vontade de ver as coisas era cada vez menor e a de trazer alguma coisa era nula. Temi pela minha vida por chegar à caixa com alguma coisa em saldos na mão e que por azar já se tivesse esgotado. Não faltava muito para levar com um sofá florido na cabeça só para me rapinarem o móvel que ousei comprar. Muito medo de senhoras com catálogos numa mão, um lápis perfeito para furar os olhos na outra, e a certeza que a vida delas não é nada sem aquela floreira importada…

Assim, e porque quem tem medo tem cú e se há coisa que eu tenho é um belo dum cuzinho, resolvi esconder o móvel de sala de comprei debaixo da camisola e fui com um andar estranho até à caixa. Paguei. Sobrevivi. E depois lembrei-me do trinómio: C3 -5 pessoas - um móvel de sala.

Aí recorri, não ao menu amigo mas ao amigo M., que voluntariamente acedeu à minha ordem e foi ter connosco à sala de pânico para recolher o móvel. Está certo que depois se verificou não ser necessário os seus serviços, mas fica aqui o agradecimento. Obrigada mano.

No final de contas, o C3 é um mundo e o móvel coube lá atrás entre as sardinhas enlatadas da minha mãe, da relíquia e do meu sobrinho. Eu sou demasiado gorda para trocar com eles que iam tão desconfortáveis. Olha que pena. Sinto-me mesmo culpada…

Mas o dia não se ficou por aqui. Mas o texto já vai longo e por tal, o facto de a Decatlon ter uma centena de crianças a jogar à bola, a andar de trotineta e a experimentar as espingardas enquanto os pais se matavam por pólos quentinhos que nos salvam de ursos, fica para outro dia.

Tenho um móvel de sala novo. Não morri por isso. Obrigada crianças albinas pelo vosso trabalho de carpintaria por apenas 49,90€.

4 comentários:

  1. epah eu não queria dizer nada mas vi o mesmo móvel por 30 euros aqui perto de minha casa! LOLOL

    Grande filme sim sra...

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  2. Adorei seu blog. Estou seguindo!

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  3. Gostei da referência ao menu amigo :) Isso é que eram bons tempos...Bom post sim senhor :)
    Beijos grandes
    G

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  4. Eu também consegui (não sei como) sobreviver a esse dia... ainda hoje o meu olho esquerdo treme só de pensar no ik...ik...não consigo dizer.

    Mas pronto, algo de bom saiu desse dia: o teu post!

    beijo knut
    maria

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