21 agosto 2008

O gato da dona Lurdes


Eu poderia vir aqui dissertar sobre o novo penteado do Michael Carreira, sobre o céu azul e até sobre a importância das cobras de anel nas plantações de batatas… mas como me apetece escrever sobre algo a sério (o que aumenta em muito a minha probabilidade de erro, ou seja, de ser processada e apedrejada na rua) vou então pegar nos jornalistas pelos cornos e hoje farei cantigas de escárnio e mal dizer em sua homenagem.

Será que sou só eu que cada vez que visualizo os noticiários portugueses acredito que aquela gente, apelidada de jornalistas, tirou a carreira profissional na chamada farinha Amparo e não sabe distinguir uma foca dum leão?

Poderia também alvitrar sobre os enormes erros que aparecem nos jornais portugueses, graças às chamadas fontes que para mim não são mais do que a wikipédia, daí que quando lemos um artigo enorme sobre o perigo que enfrenta o lince ibérico a foto que vem a acompanhar o artigo é nada mais nada menos que o gato da vizinha Lurdes do 3ºesquerdo, porque por acaso o jornalista não conseguiu aceder à internet para sacar uma foto e achou que o felídeo da vizinha suprimia as necessidades visuais do artigo. Aquilo que me faz relativa comichão quando vejo os muitos telejornais é as maravilhosas questões dos nossos jornalistas a familiares das vítimas de grandes tragédias: “Então como é que se sente?”… “ora bem, perdi 3 filhos, 2 netos, 2 gatos e o meu sogro… como é que eu me sinto? …Com uma ligeira azia!”

Mas o que é que esta gente pensa? Será que realmente os ensinaram que estas seriam perguntas apropriadas para fazer a pessoas que estão em agonia e evidente angústia?

É notório o sofrimento dos familiares quando pretendem ir ter com os entes queridos, quando estão em pânico porque têm que ir identificar os corpos, ter com os amigos que estão em perigo… é sofrido especialmente porque têm que passar barreiras e barreiras de jornalistas que acham por bem espetar microfones pelas narinas daquela gente e perguntar coisas relevantes como “então hoje diz que chove!”….

E por favor, não encham o programa inteiro com a mesma coisa a rodar vezes e vezes sem conta. Já percebemos que caiu um avião e morreu muita gente, já percebemos que vocês são muito inteligentes e foram pesquisar nas enciclopédias aí de casa de que são feitos os aviões, não que isso interesse, mas é notório o esforço. Se não têm nada de relevante para mostrar porquê continuar a insistir em fazer notícia com tudo o que estava numa área de 500km do acidente? Houve um acidente em Madrid e vão entrevistar os taxistas de Lisboa a ver se viram alguma coisa, só para encher chouriço… Se dão a notícia de tarde e não há nada de novo porquê mostrar a mesma coisa vezes e vezes sem conta à noite? Os jornais se não têm notícias no dia seguinte repetem as de ontem para ter o que escrever?

Chega a um ponto em que deixa de ser noticias e passam a ser história.

Não esmiúcem os assuntos até ao tutano só para fazer tempo…. Está certo mostrarem as notícias quando elas acontecem, o público agradece estar informado, mas aparecer a cada 10 minutos a dizer que ainda não há mais informações não é de todo relevante e até é um bocadinho irritante.

Ainda não perceberam que vocês conseguem estragar tudo onde metem as mãos? Ainda a propósito, em conversa com uma amiga surgiu o caso de um documentário de um dado canal português sobre a força policial portuguesa, com especial atenção numa missão de captura em que os policiais andam encapuçados e estão escondidos para poder apanhar os criminosos. O que é os jornalistas acharam por bem fazer? “Ora e se arriscarmos a vida dos nossos policiais e das suas famílias pondo na televisão nacional tudo sobre a sua vida privada e profissional?” Imaginem os criminosos em casa a ver a televisão, a ver a cara daqueles que os iam prender, inclusive estes a despedirem-se da família, as casas onde moravam, os esconderijos onde se encontravam…. Nem pagando eles conseguiam informação tão completa se por acaso lhes apetecer uma vingançazinha.

Já para não falar dos milhares de documentários sobre meninos pastores que nunca viram o mar. Ora eu nunca vi o Johnny Depp e ninguém documentou sobre isso.

São uma praga, são verdadeiramente uma espécie exótica e caso vejam algum por aí, não tenham problemas em aniquilá-los a ver se não se reproduzem.

Os comentadores são outros. Há uma luta de etnias numa cidadezita portuguesa e dizem que somos quase um Brasil ou uma Colômbia…

Claro…. Nestes países assaltos à mão armada com menos de 5 vítimas mortais já nem é notícia, e raptos começam a ser uma coisa tão corriqueira que as vitimas já se queixam de falta de originalidade.

Qualquer coisa que aconteça em Portugal é levada ao extremo. “Dois brasileiros assaltam um banco e um deles é baleado pela polícia!”; “Polícia mata a tiro uma criança cigana!”…

O que é que se tira daqui? A polícia matou o assaltante, não porque ele estava a fazer refém dezenas de pessoas e a assaltar um banco, isso é totalmente secundário, mas porque era brasileiro!

Alguém referiu que a polícia atirou numa carrinha em movimento que tinha acabado de assaltar uma casa e que por acaso acertou na criança que tinha ido com o papá fazer uma coisa de homem que é roubar os outros? Não… a policia matou porque era cigano.

E então surge o pânico e vai-se entrevistar todos os ciganos e brasileiros que estão no país a ver se sentem a xenofobia. Pelo amor de Deus….

Não interessa de são pretos, brasileiros, portugueses, ciganos, se são amarelos ou de Leste… o importante é que o fazem e não a cor ou descendência que têm. Mas sou só eu que acho revoltante estas manchetes totalmente viradas para a xenofobia?

O ênfase das notícias está totalmente na questão racial e não no acto criminoso e isto é absurdo. Pessoalmente, neste momento a minha condenação é sobretudo com pais loiros que dão sedativos aos filhos para que possam ir córtir a noite descansados e que depois movem fundos e mundos para encontrar a filha que momentos antes tinham atirado aos porcos. Peço desculpa pela franqueza, mas realmente este tipo de gente faz-me espécie.

São eles e os jornalistas que tiram cursos de como deturpar o que os outros dizem, como arrastar uma notícia por uma semana inteira, como fazer perguntas idiotas e usar penteados dos anos 80 na televisão.

Hoje é um daqueles dias em que, já que não posso parar o tempo, desejo que o mundo expluda. Eu sou assim, só pensamentos felizes!

Nota: A autora sente muita compaixão e total solidariedade por todos aqueles que são vítimas de qualquer tipo de crime ou acidente, mesmo fiscal, e tem toda uma admiração racial pelos maravilhosos povos que constituem a diversidade social do nosso planeta. De notar também que tenho 20€ na conta e caso me queiram processar não levaram mais do que aquilo que vão pagar ao advogado, sendo assim uma situação em que todos perdem.

1 comentário:

  1. Epáa, tanta verdadinha junta. Partilho a tua indignação na totalidade.
    O título "O gato da dona Lurdes" chega a cheirar a conto...

    A nota da autora está demais.
    Maria

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