Estarei a ser fria como um ovo estrelado? ... não me parece. Tudo bem que sou um projecto bem feito de Bióloga e que respeito a vida e todos os seres que transformem carbono, mas toda a regra tem a sua excepção (se esta é a regra, qual é a excepção?) e eu odeio pulgas, odeio moscas… para mim podem morrer todos com uma overdose de sangue ou merda, respectivamente, e não… não quero saber da importância destas criaturas no ecossistema, eu sou mais eu!
As moscas enervam-me a mim e as pulgas além de me enervarem a mim também, enervam o coitadito do meu Puffy, que é tão gordo e serelepe e além de se esfregar em fossos cheios de cadáveres putrefactos e achar piada a entrar assim no café do meu irmão para espantar a clientela, não tem defeito nenhum.
Segundo a minha mãe, é mais parvo que uma carrada de lenha, mas para mim, não há criatura mais inteligente que ele, que só lhe falta falar. Começa a dar voltas sobre si próprio e a fazer sons estanhos quando há alguma coisa que quer, e depois vai andando assim, a fazer voltas de 360 graus enquanto nos indica o que pretende. A sua maior gulodice é o leite, quando vai às voltinhas até ao frigorífico já sabemos que o que ele quer é um pratinho de mimosa fresquinho para matar a sede.
É o chamado cão com a mania. Pode estar frente a frente a um cavalo que lhe ladra como se tivesse o mesmo tamanho e força e um dia habilita-se a levar com um casco na cabeça a ver se baixa a bolinha.
O meu Puffy Manuel foi criado comigo na cidade de Évora. Conheceu as calçadas como ninguém, cagou em todas elas, rolou em todos os jardins, atirou-se para todas as fontes e tinha um carinho especial pela barragem da Mitra, onde ficava a cheirar a lodo fora do prazo, enquanto tentava pescar lagostins. Lembro-me particularmente dum episódio em que o Puffy, juntamente com a Estela, que era uma Basset Hunt que vivia connosco, se lembraram que era boa ideia correr pela praça do Giraldo em plena hora de ponta. Ora eu, sem ter tempo de pensar, lá desatei a correr por Évora com pantufas de cachorro nos pés, com pijama roto e desbotado e sem sutiã. Enquanto corria eu agarrada aos peitos, (perguntam vocês porquê, já que são pequenas peras do amor, mas de qualquer maneira abanam da pereira e isso magoa), a gritar “PUFFY MANUEL” e “ESTELA MARIA” (daí a utilidade dos segundos nomes), enquanto era notada por toda a pitalhagem eborence, que na altura era caracterizada pelos sapatinhos plataforma que faziam chorar de tão feios que eram. Creio que hoje devo ser conhecida por uma das loucas de Évora, e deve haver lendas sobre mim, ou pelo menos assim o espero.
A Estela Maria era daqueles cães a quem parece que a gravidade vence especialmente, porque a pele toda é arrastada para baixo, e ficam com aqueles olhos de cachorro abandonado enquanto a gente ralha com ela, e é impossível não ter a sensação que está a gozar connosco. Ela tinha que ser agarrada de uma maneira especial por causa das costas, porque era uma salsicha de 30kg, e quando se babava fazia toda uma nova pintura nas paredes, o que acontecia constantemente. Quando a Estela descia as escadas até à porta da rua, normalmente as pessoas que estavam na esplanada em frente saltavam de medo porque a sensação era a de vinha um elefante a descer o edifício, mas depois aparecia aquela criatura babosa, que não podia ver os senhores da pizza que desatava a fugir atrás dele. Tinha a força dum camião e adorava correr atrás do meu Puffy com aquelas orelhas a arrastar pelo chão. Assim, perseguiam-se um ao outro, ela agarrava no que conseguia, que era o rabo, e ele nas orelhas dela… eram o chamado peixe de rabo na boca! Fica aqui um beijinho muito grande para a Estela, que acredito que tenha sido muito feliz. Soube recentemente que morreu atropelada, porque viu uma senhora que normalmente lhe dava bolachas, desatou a correr atrás da mulher e atravessou a estrada de repente. Era muito especial e com uma personalidade única, como todos os cães. Espero que se esteja a empaturrar de ossos de chocolate, juntamente com a minha Emma e o meu Mickey.
…
Mas assim foi, uma época maravilhosa, em que tentava a todo o custo educar o meu puffy Manuel, já que a minha mãe se recusava a limpar mais fezes de crias que não distinguem a terra do tijolo. Lembro-me de ter sempre o cuidado de não levar gente a casa sem a minha prévia entrada no quarto, porque não sabia quando é que ia ter cuecas sujas esfrangalhadas, pensos higiénicos usados e comidos, e uma série de fluidos caninos espalhados pelo meu quarto. O meu Puffy comia de tudo, desde o famoso dia em que resolveu provar as minhas pílulas e a veterinária disse que agora ia ladrar fininho, e o tão abominado dia, em que o Puffy Manuel ficou a ser odiado pela comunidade Ubiciana por ter comido cartões de memória da máquina fotográfica com imagens importantíssimas das nossas caçadas à Eva.
Por achar que os animais têm que ter a liberdade de andarem na rua a passear a pevide quando querem, e por saber que tal não é possível na cidade de Évora e também, claro, por achar que o animal já estava educado à base de jornaladas no lombo, resolvi trazê-lo para Sines city.
Aqui é o rei. É só passar a patinha na porta que já está alguém a abri-la para o menino sair ou entrar. A verdade é que basta uma unhada do gordo que se levantam no ápice para abrir a porta ao senhor, já tive muito mais tempo à espera para entrar quando me esqueço da chave. E não venham com tangas que é para ele não arranhar a porta, que um dia destes começo a fazer o mesmo a ver se me dão atenção!
Mas é verdade que gosto mais dele que de sandes de nutela, queijo, maionese e fiambre. É ele que espera eu adormecer para subir para a cama e dormir em cima das minhas pernas até eu não ter sangue, por ter 30kg em cima. É ele que me acompanha à casa de banho e enquanto eu me sento na poltrona, encosta o focinho à torneira do bidé para que eu lhe abra a água e fica assim, a fazer slep, slep. É ele que quando alguém toca à campainha manda saltos de alegria e salta por cima do meu pai fazendo grandes arranhões na careca do senhor. É o Puffy que adora andar de carro, e quando o faz, vai para trás do meu banco, apoia as patinhas no meu cinto e põe o focinho na minha janela, enquanto se baba para cima de mim que vou a conduzir.
Adora saltitar de roda das minha papagaias enquanto a minha mãe limpa as gaiolas. Adora água que não seja limpa. Adora a cadela da vizinha e odeia o cão da vizinha. Gosta de ser penteado, gosta de dormir com a barriga para cima, para que possamos apreciar o agradável cheiro da sua virilha. Adora dar bufas e culpar a minha mãe (acabou de dar uma). Adora os meus sobrinhos. Adora e protege o meu pai e a sua super bicicleta. Adora comer moscas. Adora a liberdade que tem. Adora correr atrás de gatos. Adora brinquedos com barulhos irritantes e adora brincar. Adora a praia, mas tem medo das ondas. E adora-me a mim.
E é por eu o adorar tanto, que apesar do medo que tenho que um dia fique debaixo dum carro, que prefiro ter um cão feliz e livre pelos anos que tiverem que ser, que ter um cão fechado numa casa, preso, pelo dobro do tempo. Sei que é uma realidade, já tivemos sustos, mas acredito que ele prefere poder esfregar-se na lama quando quer, correr atrás de cadelas, perseguir e ser atacado por gatos, e saltar os quintais dos vizinhos para esgravatar nos canteiros, do que viver tanto quanto eu, mas seguramente mais infeliz.
Fica aqui a minha homenagem a todos os cães e àqueles que fazem cães felizes.
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