04 junho 2008

Grunhidos

Devido às minhas actuais visitas ao dentista, há uma série de perguntas que me ficam no ar, ou melhor, me ficam na cabeça, mas no fundo vai dar ao mesmo já que ando com a cabeça no ar (… esta é, sem dúvida, das melhores piadas do século… vou até apontar, para não me esquecer).

Todo este monopólio dental começou à aproximadamente 2 anos quando me surgiu uma cárie num dente, dente este que deve ter jogado sueca na mesa da Última Ceia porque lhe aconteceu de tudo. Devido à tão odiada cárie o bichinho teve que ser sacrificado e foi castrado (subentenda-se que foi desvitalizado, o que no fundo é tirar a essência ao pequenino). Foram umas horas complicadas passadas numa dentista Eborense, em que a senhora me fez vir as lágrimas aos olhos sem precisar dizer muita coisa bonita. Nesse mesmo dia, ia eu toda serelepe para casa, quando sou atingida por um bombardeamento de balões de água, vindos não se sabe de onde e não se sabe por quem (mas com certeza de uns filhos da Puta, fora a mãe que não tem culpa). Sim, eu com esta idade ainda levo com balões de água, e para quem não acredita no destino: éramos um grupo de meia dúzia de pessoas, só eu fui atingida e mesmo no dente acabadinho de ser sangrado. Sim, era para ser. Não sei por que razões superiores, mas alguém queria que eu andasse por aí com a cara inchada e o olho roxo. Bom, de certeza que se divertiu imenso com as minhas desculpas ao porquê da cara naquele estado. Momentaneamente eu preferia admitir ter levado porrada do namorado a ter dito que tinha levado com um balão de água… de repente tornou-se uma desculpa tão ridícula e absurda, que não estranhei nada a cara das senhoras da universidade, quando abanavam a cabeça em tom de pena à minha história do balão. Se eu tivesse dito que tinha sido numa maçaneta da porta, se calhar, apesar de cliché, tinha sido mais eficaz que a verdade.

Andava eu de cara inchada, com um súbito medo de andar na rua porque imaginava sempre balões de água a vir na minha direcção. Aquele bendito balão, além de não ter rebentado quando bateu na minha cara, ficou basicamente a rir-se de mim no chão, inchado e molhado, e nunca descobrimos de onde veio nem de quem, mas foi uma moda que durou algum tempo. Fiquei inesperadamente a morar num campo de guerra, em que não conhecíamos os guerreiros nem a causa… a não ser claro, que fosse a minha humilhação, aí sim, objectivo cumprido!

O dente ainda sofreu um bocadinho com uma desvitalização mal feita, sentindo-se uma casa apenas segura pelos alicerçares, sem ter base nem segurança.

(quando eu digo que o dente sofreu ou jogou pedras na cruz refiro-me certamente à minha pessoa, afinal o sistema nervoso é meu e a carteira também, assim aquele bocado de porcelana por quem eu nutria um carinho muito especial, não tem protagonismo nenhum na história, é só uma personificação da minha essência dental. Que fique bem claro a minha suprema importância na história…. Este é o meu super Eu a falar, peço desculpa, às vezes não a consigo calar!)

Mas lá se passou o tempo, o dente aqui ficou, tal cadáver imponente que não deixa a morte vencer, até ao dia em que eu comi uma goma… tã…tã…tã…tã…

Estava eu em Barcelona, passado quase 2 anos, o survivor já tinha aguentado muita pasta e pomodoro em Itália, quando o meu pequeno dentinho foi vencido por uma goma. Sim, foi uma amora. Vestia um traje avermelhado com pequenas pérolas encarnadas que, enquanto eram degustadas por todo o meu sistema gulatório, acertaram em cheio no alicerce mestre de toda a casa e o dente desabou, ou melhor, partiu-se ao meio e ficou ali, cada alicerce a pender para seu lado, e a necessitar muita ginástica no dom de mastigar. Eu não queria derrubar a casa enquanto não estivesse em terras lusas, já que na terra de Gaudi me cobravam 2000€ pelo amanho do prejuízo, e eu disse logo à senhora que tal não seria possível, enquanto eu não prostituísse este corpinho que a genética me deu.

E assim foi, chegada a Portugal nas minhas férias de Natal, a primeira coisa que eu fiz foi ir à procura de um Dentista nesta cidade. Primeiro, encontrar um que não fosse brasileiro era pouco provável, e encontrar um que fosse brasileiro mas estivesse em Portugal nas férias de Natal era impossível. Mas lá consegui. Instruída pelo meu irmão, lá descobri uma doutora que não só é brasileira, como também é japonesa. A coisa parecia estar encaminhada.

Assim, lá levei nas orelhas por ter comido a dita amora e por ter deixado os escombros na boca durante os 2 meses que antecederam o acontecimento e a vinda para Portugal. Tiraram-me o pobre Pérola Branca (nome carinhosamente dado por mim, dada o historial que temos juntos) e puseram-me um pivô muito para o feio, que nem sabe apresentar telejornais. Agora tenho-o aqui, a cair de vez em quando, e lá vou eu com ele na carteira, para a dentista me fazer sangrar a gengiva com força até conseguir encaixar o Amarelinho onde tem que ser.

Mas agora sinto que vou ter vida outra vez, este mês não há propinas e assim o dinheiro da prostituição dá para pagar o tratamento. Lá comecei eu as consultas de rotina para tirar as medidas e fazer moldes, (até parece que vou fazer algum vestido de finalista), e um destes dias vou ter um dentinho de verdade. Bom, na realidade está tão morto como este que tenho agora, mas sempre é duma estirpe melhor, já que é feito de porcelana e não de resina (não que tenha algo contra a resina, mas cheira mal) e ficará para sempre na minha boquinha, apetrechado com parafusos e porcas que me farão apitar nos aeroportos, mas vai ser giro dar nas vistas.

Bom, e as perguntas que me ficam na cabeça voaram mesmo no ar, porque me pus aqui a contar a história da minha boca e já não há paciência para mais. Mas deixo aqui uma, para não dizerem que eu não faço aquilo a que me proponho (posso me desviar um bocadinho, mas chego lá):

Porque é que os dentistas nos fazem tanta pergunta quando temos 23 aparelhos enfiados na boca e um desejo constante que a broca nos fure as veias para acabar com o sofrimento? …

As nossas respostas são grunhidos, bastante semelhantes a que crianças de 2 meses responderiam… e eles normalmente parecem satisfeitos com as respostas. O que é que isto quer dizer?... Tenho medo!

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